May 02, 2015

B.2



- E aí, cara? Como você está?
- Indo.
- Tá feliz?
- Bukovski, a gente se conhece desde... O casamento da tua irmã, né? Faz o quê? Quase 30 anos?
- É, é por aí.
- E você me pergunta se estou feliz? Você me conhece mesmo?
- Você é bisonhento mesmo.
- Chame do que quiser. Enfim, qual o lance? Não é todo dia que você resolve me arrastar para uma birosca e me perguntar se estou feliz.
- Birosca?
- Garçom! Me vê uma vodka! Da melhor que você tiver!
- Smirnoff?
- Serve! O que eu lhe disse?
- Tá. Olha, você não tá feliz, mas o que você tem hoje? Faz tempo que não te vejo assim.
- Assim como?
- Furioso.
- Elise acabou comigo.
- Oh, cara. Sério?
- Figurativamente, sim.
- Sinto saber disso. Mas agora entendi.
- Você nunca vai entender, Bukovski. Garçom, me vê mais uma!
- Acho que você precisa ficar sóbrio para o que vamos fazer.
- Vou ter de dirigir? Você pretende me bulinar?
- Não...
- Então eu posso beber.
- É, talvez você precise mesmo. Sabe aquele cara, o de Batatais?
- O idiota que me chamou de... Como era mesmo a palavra?
- Qual? Babaca?
- Não, não... Uma do arco da velha. Humm... Biltre!
- Lembrei. Foi depois de você bater nele, né?
- Acho que sim. Não é como se eu tivesse batido uma vez só. E o que tem ele?
- Ele não está mais lá, onde você o deixou.
- O que é que tá olhando, amigo? Tá querendo uma bimba, é? To acompanhado.
- Valter, deixa o cara.
- Ele tava curioso demais. Mas então, Bukovisk, desenterraram ele? Foi a polícia?
- Se fosse, Eu não ia precisar de você.
- Tá bom. Você dirige. Garçom! Fica com o troco! E isso cobre o copo também!
- Você quer que passe na sua casa?
- Não. Elise ainda tá lá. Que cheiro é esse?
- Bergamota. Você quer?
- Não. Eu odeio isso. Sempre me lembra da cirurgia, não sei porque.
- Que cirurgia?
- Uma Blefaroplastia. Cirurgia plástica.
- Você, Valter?
- Sim, besta. Eu. Levei pancada demais na cara, acho.
- Você era ainda mais feio?
- Não sou feito você, que tem essa beleza toda de berço.
- Viu aquele brilho?
- Sim, vi sim. Acha que é ele.
- É perto de onde você enterrou e se não foi bradicardia, brilha como todo retornado.
- Trouxe o retrato bizantino?
- Que bobagem é essa? Claro que sim!
- Então me dê cobertura.


O brutamontes desce do carro e é seguido pelo homem baixo que retira de uma carteira um retrato velho e enrugado esperando então o homem maior entrar e este sem olhar para trás retira do bolso um biliro que prende laminadas asas de borboleta e segue olhando para a coisa bruxuleante e se aproximando sem medo para então de repente dar um bote que a coisa se esquiva jogando sobre o homem um bombardeio de chamas azuis e roxas que ele recebe tentando bloquear com os braços mas que respingam na face e se vê obrigado a continuar a avançar investindo novamente contra a criatura que poderia se passar por um homem não fosse o acentuado crânio braquicéfalo e descarnado que balbucia enquanto é levado ao chão e caem ambos no piso da igreja com os ossos do retornado tilintando alto como uma baixela e sem dar tempo que a coisa reaja Valter lhe salpica o rosto com as asas mexendo elas numa bricolagem com suas mãos que quase se fundem ao fogo e luz do morto.

- Valter!
- Não, não chegue perto. Ele ainda brilha.
- Você quer que traga algo? Água? Vodka?
- Quanta beneficência!
- Não ria, homem! Temos de levar você para um hospital.
- Pra quê, Bukovski? Elise acabou comigo. Me deixe em paz.
- Não posso. Você sabe que não posso.
- Sua dívida está paga. Só não deixe ele retornar de novo. Não vou estar mais aqui.
- Valter...
- Diabos, se você chorar, juro, antes de morrer eu te bato. Daqui a pouco ele apaga. Faz direito dessa vez.
- Faço sim, Valter.
- Bukovski?
- O que é, Valter?
- Me traz o resto da vodka.

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