Mais um texto resgatado da cadeira de Oficina de Textos do professor Marconi. Na semana desse texto, escolhíamos uma música como inspiração. Escolhi "Romaria", de Ricardo Teixeira, e dei ao conto o mesmo nome. (Lilian, obrigado por ter guardado o texto por tantos anos.)
Romaria
Filho de peão, João, o sétimo filho de um sétimo filho, arruma suas coisas junto a uma pedra. No sétimo dia de viagem, João pensa nos sete pecados, e vê que se cometeu algum foi há muito tempo. Satisfeito com esse pensamento, pousa a cabeça no pequeno volume formado pelo seu casaco de couro e bizaco.
João dorme um sono justo, de quem cansa ao caminhar mais de sete léguas. Por sete horas dorme, e acorda às sete da matina. Galos não cantam no sertão, no mato brabo de juremas.
João levanta-se devagar, deixa que seus ossos estalem, e sete vezes ele conta os sons de sua idade. Arreia as calças e a céu aberto alivia suas entranhas. Olha pro horizonte, conta sete vezes sete nuvens e pega seu casaco, chapéu redondo de couro e seu velho e querido bizaco.
Ele anda com cuidado, mas com satisfação. Busca o cavalo que deixou mais abaixo, perto de um olho d’água. Sobe no animal que possui há sete meses e calcula em sete léguas a sua próxima parada.
Dos sete filhos, só ele prestou. Isso já dizia seu pai antes dos outros se perderem na vida. Mas sua vida também não degringolou. A seca comeu o mundo de João. Comeu pelas beiradas, e dele só restou o caipira, vaqueiro que procura fazendas onde trabalhar, rebanhos para manejar.
Carnaúba de Antônio Silvino, ou melhor...Onde ele morreu há mais de sete décadas. João disso sabe. Ele desce as pedras, talvez as mesmas nas quais o cangaceiro foi tão perseguido. Seu pai contava histórias de cangaço, como contava o seu pai também, a sete filhos.
Casebres surgem na seca mata de juremas. João cavalga devagar e levando a boca a arribaçã assada e já dura, caçada há dias atrás. Ele lembra de sua mãe, seus carinhos, comida e devoção.
“Romaria”, disse sua mãe, morrendo, sentindo uma dor da gota. Chorando morria a mãe de João, e morria dizendo a João, “Uma Romaria, João... Faz pra tua mãe, filho, pede por mim, pede a Nossa Senhora pela alma de tua mãe”. E vertendo lágrimas nunca antes vertidas, levantou-se o peão para cumprir o último desejo de sua mãe, que morria ali em meio a uma falação desigual, tão calada sempre fora a sua mãe.
E João foi, e já por sete semanas, vai, em Romaria. Lembrando de seu pai, peão, sua mãe, Solidão. Perdido em lembranças e vivendo de Sol. E o Sol não enternece seu coração magoado, sua alma desiludida.
João galopa com olhar de resignada determinação, saindo da Carnaúba, em uma agora eterna Romaria, pedindo a Nossa Senhora de Aparecida, que lhe tire dessa mina escura e funda, o trem sem rumo de sua vida.
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