February 28, 2012

Mr Sandman


Eu não sei, porque apenas crianças, são tão belas em seu sono.
Por mais belo que seja um homem ou mulher, há sempre algo que os desfigura.
Seu cabelo desengrenhado. Sua baba escorrendo. O ronco. Um cansaço que não descansa.
Nunca há uma imagem de perfeição, tal qual de uma criança que dorme.

Talvez essa beleza etérea é que as faça, como nos contos de fadas, presas ideais.
Talvez não desejem destruir sua inocência, mas a beleza inquebrantável que perturba com sua perfeição, os próprios pesadelos.
Talvez, talvez. De certeza, quando criança, só senti o horror de um despertar diante de portões de marfim e ossos, onde deixei do lado de fora minhas esperanças.

***

A criança brinca. Mecanicamente, pega um, dois brinquedos, os usa e os deixa cair.
Ela forma um círculo de brinquedos descartados. Amigos usados e agora inúteis.
Estou na entrada do quarto, logo atrás dela.

Ela se vira. Grita. Corre em minha direção.
Tiro rápido de meu bolso cascas de ovos esmigalhadas e as sopro.
Uma chuva de vidro e pedra me atinge.

Deixo o quarto vazio.
O silêncio na casa preocupa um dos pais. Eu me movo em silêncio e vou embora.
Os brinquedos, magoados e gastos, não me denunciam.

***

Eu me deito ao lado dela, com cuidado.
Não há nada de erótico no que faço.
Ela se move um pouco, mas não é desquietude.

Eu sei que é uma pessoa doente.
Apesar de ter tudo.
É jovem, bonita.
Ela pode ter o homem que ela quiser.
Ela pode SER quem ela quiser.

E ainda assim, ela é doente.
É isso que vim buscar.
Essa inquietude artificial, de quem se entrega ao vício.

Durante a morte suave do sono, eu penetro em seus sonhos.
E como bom fazendeiro, venha apenas fazer a colheita.

Há quem pague por todo tipo de coisa.
Seja seu vício. Sua euforia. Sua dor. Seu Desespero.
Pois em seu íntimo,
ela não deixa de ser vítima de todos os desejos,
de todos os horrores que todos nós sentimos.

A grande diferença,
entre ela e eu,
é que desejei não ser mais um escravo.

***

Tudo que basta, para fazer o que faço, é o instrumento certo.
E a oportunidade de usá-lo. Não há glórias em meu trabalho.
Mas o cliente está satisfeito.

A serpente que um dia me opfereceu uma maçã.
Ele se deleeeeita. Sua satisfação é imensa.
Pode ser vista até mesmo em seus olhos estranhos, um misto de prazer e surpresa.

"O Rei de Outubro ficara satisfeito", diz ele em uma voz baixinha, numa melodia reptiliana, mas sua língua, é corrupta e humana.
Ele toma o saco de minhas mãos, me dá um sorriso e me entrega a maleta.
Eu não olho dentro. Etiqueta, sempre a etiqueta.

"Mesmo local e horário?" Ele pergunta, já sabendo minha resposta.
"Sim, daqui a uma semana." Respondo por entre minhas presas.
Vamos em direções diferentes, animais distintos, ambos sujos a seu jeito.

***

Já faço isso por meses. Eu não sinto orgulho.
Mas eu preciso fazer. Também não é arrependimento. Também não é nada.
E tudo, no fim, será em vão.

É noite e eu vou lá de novo.
Eu entro no apartamento sem esforço. O casal dorme.
Mãe ainda chora antes de dormir. Pai, sofre, mas de outras formas.

Vou ao quarto do menino.
Deixo a valise debaixo da cama vazia.
Vejo os brinquedos ainda no chão, no perfeito círculo.

A foto dele, perdurada.
Eu choro baixinho.
Lembrando do dia no parque,
no qual estávamos todos juntos.

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