March 01, 2012

Desmundo

Eu visto minhas roupas.
Elas fedem.
Tudo fede.
Tudo. Fede.
Meus sapatos são ruínas, e não ficam para trás as minhas meias.
O mundo é um poço de piche. A noite nunca mais teve fim.
Abro a porta, portão, desço escadas.
Outro portão, e depois mais outro.
É um ritual que pratico diariamente.
O chão é úmido. Os prédios a minha volta, despedaçados.
Como uma enorme boca em ruínas.

Antes, quando andava, as vezes um cão se aproximava.
Juntos, focinhávamos os destroços.
Eu nunca gostei de cães.
Odiava seus latidos.
Até para um carinho, não tinham a deliciosa anatomia de um gato.
E durante algum tempo, tentaram me devorar.
Isso é novamente um "minus" para eles.
Mas hoje, eu iria chorar de alegria se ouvisse um latido.
Não há mais cães, nem gatos, nem ratos.
Só restam carcaças. Tudo é lixo. Tudo é resto.

O ar é muito salgado. Tudo é muito úmido.
pela primeira vez em anos, me pergunto, o que houve com as pessoas.
Por que elas não estão nas lojas, nas ruas, nos carros.
O que houve com o mundo.
Pq todos me deixaram só.

Hoje estou cambaleando em meio aos restos do mundo.
Tudo que a humanidade mastigou e cuspiu.
Paixões, estão hoje perdidas.
E amizades, ignoradas.
Engraçado é que nada veio isolado.

O fim do mundo, começou com a falta de espírito, com o fim da alma.
Havia um "quê" de nada em tudo, então, passou haver um "quê" de tudo em nada.
Apatia, descaso, tonaram-se gerais.
É estranho que o fim da raça da raça humana, não tenha começado com o zumcido de bombas.
Sua alma dissouulveu antes da carne.
Carne. Não como carne faz meses.
Estou com forme. E sede. Muita sede.
Mas a água a minha volta é salgada.
Eu não sei mais até que ponto isso importa.
Olhar pra prédios e casas que saqueei.
Esperar por um simples oi, ou um mísero latido.
E sequer, sequer, há sombras.

Quando a alma da humanidade morreu, todo o resto evaporou-se.
Aí sim, aí sim...
Os aviões vieram.

Mas não foi essa a primeira revolta do mundo.
Não há uma equação. Não há uma de "a apatia tornou a ecologia pior,
e daí vieram os zumbies que chamaram Cthulhu que trouxe as bombas atômicas que..."
Não. Não há fórmulas. As pessoas se tornaram mais apáticas. E o resto do mundo caiu.
Lembro quando Recife passou a ser coberto de águas.
Outros desastres aconteceram no mundo, mas as pessoas não ligavam mais.
Os sobreviventes eram poucos.
E ainda assim haviam guerras. Ateus e religiosos, negros e brancos, heteros e gays,
homens e mulheres, rapaduras e rapamoles, red vs blue. Todo mundo pareceia ter uma bomba no quintal,
só por ter e então as bombas mesmo vieram.

Elas eram carregadas por aviões silenciosos. Apontavam para baixo como duros mamilos escuros.
Rodopiavam, deslizavam, e eram a peça de tecnologia mais bonita que a raça humana já fizera.
Claro, era também a mais letal.
Crianças se juntavam para vê-las caindo, brlhando no ar, mudando de suas cores grafites para dourado brilhante
e prateado quando se esfacelavam.
Logo depois de detectarem o maior número de pessoas.
Os nanitas desciam como um pó esparso, e logo começavam a devorar as pessoas e reproduzir-se.
Nuvens de microscópicos demônios varriam as cidades.

Um dia, as bombas pararam de cair.
Os aviões ainda passam. Robôs que substituiram pessoas.
Talvez, mesmo tão apáticas, ainda capazes de pensar duas vezes antes de jogarem bombas de confete brilhante que mata crianças. Seu som me mantém acordado, me dá as horas.
São meu sol e minha lua.

Enfim. O mundo acabou. É um desmundo, um amundo, um nãomundo.
E foram-se as pessoas. Assim como os cães e gatos.
Continuo lembrando e procurando, com as esperança que, um dia, eu deixe de ser só.
Encontrar alguém, com quem compartilhar tudo. Esse grande nada que é tudo.
Alguém que preencha esse vazio, que as vezes eu nunca notara antes.
Hoje eu sinto dor, dor pelo outro. Dor de não ter ninguém.
Dor que sequer sabia que existia. Dor de saudade de gente que nem conhecia.
O mundo acabou, e eu, robô, procurando você.

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