Discussão de Relacionamento

Ele olhou cansado para a tela do micro. Levantou-se a foi fazer chá.
O dia não havia sido fácil. Ele lembrava dela com frequência.
Chá pronto, o levei a boca. O calor parecia...

- Porra, Haroudo, sério? Essa coisa de estabelecer clima através de pontos casuais, esse ar de "meia-idade", então apresentar o problema...e daqui a pouco, "ela" aparece. Sério. Não aguento mais. Nós, protagonistas anônimos, exigimos respeito!

Márcio queima a boca com o chá.

- Filho da puta! E não é porque não sou mais anônimo que vou fic...glu, glu...

Uma torrente enche seu apartamento. Água jorra, o expulsando dali, o carregando para longe...

- Sério. Eu sei nadar! Job description: PROTAGONISTA! E sei me agarrar em coisas também. E que merda de vírgula foi aquela? Tá escrevendo e bebendo vodka de novo?

Ele se distrai. Os olhos dela o capturam como uma rã presa ao olhar da serpente...

- Rã? RÃ? Que metáfora. Leitores, leitoras, POR FAVOR, PALMAS! E "ela" de novo. Você não enche dessa musa não? Qual o próximo passo? "O amor termina bem e seja positivo", ou "sexo é violência", ou ainda "estregar-se a ela é sofrimento e morte"? Cara, vamos brincar de ser um disco arranhado.

Tá bom. Não vou escrever hoje a troco dessa discussão idiota. O que você sugere?

- Sei lá. Eu gostava daquelas história em que eu era uma espécie de herói, sabe? Até a depressão de R-C-L, nos primeiros contos, é melhor que isso. To cansado de você me fazer sentir essa solidão ETEEEEEERNA. Sério. Que vibe de Louis foi essa que vc me arranjou?
Em primeiro lugar, é sim uma nova fase. Eu cansei daquele estilo folhetinesco. Não que eu seja melhor que qualquer folhetim...

- Não é mesmo!

Sério, Márcio, vamos discutir sem essas interrupções tolas. Você e um protagonista inteligente e sabe que o que escrevo, tem um pé no que vivo. Acho que todo autor é assim. Então, tenha paciência, quando a fase mudar, meu texto acompanha, tá?

- Como se você sempre mudasse...

O que você quer dizer com isso?

- Você já escreveu esse conto antes.

Hã? Não, nunca.

- Está bem, não esse. Mas essa ideia, o protagonista conversando contigo...

Sim, sim. A cadeira de Marconi. Mas era diferente. E eu precisava de algo inusitado. Ou isso, ou estaria escrevendo, discutindo e fazendo novela até o fim do semestre. Agora é por outro motivo. Foi uma sugestão de tema. E você não está em R-C-L...

- Não mesmo? Essa enchente louca em meu apartamento. Eu sou o primeiro protagonista holo que você escreveu, eu lembro que você pensou nisso, que para essas inteligências, apesar de interagirem com os membros do universo de R-C-L...

Não, não vamos transformar isso num texto sobre R-C-L. Vamos recomeçar? Não fala mais comigo e faça seu papel, pode ser?

- Tá bom. Mas não me sacaneia mais. E olha as vírgulas e quem sabe, revisa os textos, né? "estregar-se?" Sério? E ainda bota isso na minha boca?

Eu escrevo para ser lido em voz alta. Foda-se o que a gramática diz de vírgulas. Se der, reviso em um ou dois anos. E volte pro seu lugar.

...o calor parecia com o toque de seu lábios, um doce tom febril do corpo que queimava quando nos tocávamos.

Alguém bate a porta. Não tinha pressa. Era ela.
Ou achava que era. Seus olhos traduziram temor.
No macacão, em letras garrafais a sigla assustadora: EEPC.

- Por ordem do autor, você já era.
E o protagonista chato foi pulverizado, carbonizado, obliterado.
Mas, condenado, no próximo conto, ele volta. E com todas as vírgulas.