March 06, 2012
Marcapasso
Ele desligou o coração e olhou incrédulo. Não sabia como tinha feito isso. O que diria para as pessoas, o que seu médico iria lhe dizer? E por que ele não morreu? Ele colocou a mão no peito. Nada. Nervoso, começou a suar. Será que estava morto? Ele resolveu ir até um espelho. Respirou até sua imagem ficar embaçada. Ele não entendia.
Os dias se passaram e o homem sem coração não morreu. Ele caminhava, assistia coisas assustadoras e nada o abalava. Enfim, passou a não ligar mais para aquilo. Seu coração parou de funcionar, mas ele, não.
Um dia, sem aviso, alguém lhe bateu a porta. Ele atende sem muito ânimo. É a morte.
- Err....Oi?
- Oi Mauríciu, tudo bem?
- Está...?
- Sim, está tudo bem.
Disse a morte com um sorriso.
- Eu vim saber se você tem se incomodado com seu coração.
- Nâo sei bem. Mas ele não funciona.
- Pois é, Mauríciu, essa é a idéia. Queríamos testar se é possível um de vocês viverem sem o coração.
- Eu realmente não estou entendendo.
- Eu admito que não entendi o processo também não. Mas você não amava Juliana?
- Julia...Juliana! Sim, sim. Meu Deus! Eu havia esquecido dela completamente.
- É um dos efeitos colaterais. Bem, decidimos que a experiência não valeu a pena, Mauríciu.
- Como não? O que você quer dizer?
- Ora, muito tempo atrás, conluímos que não há mesmo muito sentido na existência de vocês, sabe? Não é como se a raça humana tivesse, diante de um quadro maior, uma grande importância. Ou sequer, alguma importância.
- Como?
- Sim, isso mesmo. A vida não tem sentido. Quer dizer, não em um aspecto prático, funcional, evolutivo e progressista. O que importa, é com quem cada um de vocês, se conecta. Essa relação de amores, dessabores, carinhos, ódios e laços. Isso não repercute no infinito, mas para cada um de vocês, o valor é incalculável. Isso é que nos deu pausa, e nos fez nos interessar por vocês. - Mas o que isso tem a ver comigo?
- Queríamos ver se é possível viver sem amor, Mauríciu, ou qualquer perspectiva dele. Mudamos um elemento mais que essencial na sua estrutura e você está bem.
- Então, o amor é inútil?
- Não, de forma alguma. Percebemos outra coisa. Apesar de sua incapacidade, o amor dos outros te sustenta, lhe dá valor, faz com que o que quer que você seja, vá além da poeira das estrelas da qual todos são criados. Você não morreu, não porque não precisa de um coração, mas por que o coração de todos que te amam, já te amaram e irão te amar, lhe dão importância.
- Então, tudo vai ficar bem? E eu vou voltar a sentir?
- Infelizmente, Mauríciu, tudo ficará bem, mas você não.
- Eu vou morrer?
- Não, não. Você voltará a sentir. Amará novamente Juliana, lembrará que a perdeu, irá chorar, pensar no quanto tudo é injusto, irá se recriminar e até odiar a si mesmo. E um dia, talvez, ame novamente.
- É tão ruim assim? Eu não lembro.
- É sim, Mauríciu. Para alguns, o desprezo e rejeição são piores que a morte. Por isso eu vim.
- Como assim?
- Pra te dizer que não, não há nada pior que a morte. Não há nada pior que deixar de existir, de deixar de fazer parte dessa rede que os corações humanos tecem. Não há nada mais horrível que o esquecimento, sentido nos últimos momentos de vida, no átimo que precede a escuridão.
- Mas vou sentir muita dor?
- Sim. Vai sentir como se alguém que apertasse o coração e o esmagasse. Mas ele estará lá, batendo. Bem, adeus Mauríciu.
- Adeus. E obrigado, acho.
A morte foi embora. Mauríciu, com o coração novamente a bater, sentiu a dor de que ela lhe havia falado. E ele entendeu que, de fato, não havia nada igual. A morte porém esqueceu de lhe dizer algo. Que enquanto existe vida, que enquanto as pessoas podem ainda falar e buscar as outras, pode haver entendimento. Que o amor pode se transformar, mas não necessariamente, quando não correspondido, morrer. "A morte", ele pensou, "não podia ser nada que não uma pessimista".
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1 comment:
Fantástico, engraçado, irônico, sensível à condição humana, e, finalmente, otimista.
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