April 19, 2012
Baile de Máscaras
Recife, 1998
O laboratório está vazio. Ainda é manhã, a noite que cala o mundo, não chegou ainda.
Mas está escuro. O sol, com medo, esconde-se por trás das nuvens negras.
O laboratório está vazio. Levaram os livros, as notas, nossos experimentos.
E ainda assim, algo, há. Um traço, tênue, um indício.
O laboratório está vazio. Quem esteve aqui se levou consigo, todos os traços, não há cheiro, não há rastro.
Porém, tenho a máscara. Uma delas. Os seus olhos são meus, minha pele, é tua. Vejo seus passos. Torno minhas suas pegadas e te sigo.
Eu paro em frente do prédio. Ele é baixo e antigo. Não é velho. É antigo. Há miasma, que nem todos percebem, mas os humanos evitam o local. Eu o evitaria, mas tenho a máscara. Não só as pessoas, mas a cidade sabe disso, o mundo. Sentem que algo mau habita o local.
Árvores tentam devorar as paredes, com raízes que se fincam aos muros, lentos dardos que se aprofundam na carne do prédio, a pedra.
Não há outras pessoas na rua e percebo que muitas casas foram abandonadas.
Entro em uma delas. Retiro a máscara. Coloco outra.
O sangue me assalta. Sangue velho, seco. Mas tanto sangue. Sangue derramado, salpicado, bebido, salgado, gostoso, roubado, excitado. Eu lambo meus beijos e me masturbo e só após satisfeito consigo tirar a máscara. Há perigo aqui.
Tiro da sacola uma outra máscara. Trouxe menos máscaras na sacola do que deveria ter trazido e não sei se tenho tempo de voltar em casa e pegar mais.
Ele amendronta o humano em mim.
O que quer que seja, é velho, bruto, feroz e ainda assim, sagaz.
Ponho a máscara. Me visto de pedra.
Tenho de pensar e deixar o tempo passar.
Aguardar, a noite chegar.
Como o prédio, estarei a esperar.
O monstro que lá vive, acordar.
E passar o tempo vai e foi.
Com pesar, retiro a máscara.
A calma, cai.
Como veio a noite.
Sem máscaras, vou até a esquina. Tenho fome. Há uma lanchonete próxima e apesar do óbvio estado terminal do local, peço comida.
Volto a tempo de ver um carro saindo do prédio. Quando o passa por mim, vejo os brilhantes olhos negros.
Perco o fôlego.
Quase caio no chão.
É ele.
Eu corro, corro por 3 quarteirões inteiros e finalmente, paro.
Não acredito ainda. É o Papa Figo.
O monstro que matou meu avô...
Recife, 1985.
- Não. Deixe a sacola aí.
- Mas eu quero ela! Tem umas máscaras legais!
- Não, já disse.
O gigante olha para o menino e tem pena. Tçao jovem e morto para a vida. Quando aperta os olhos, ainda vê as marcas de marimbondos, as vezes, até mesmo todo o enxame. Mas é um menino, e André, imortal ou nao, pode morrer de novo.
- Porque?
- Já disse. As máscaras são da menina, dá neta de meu amigo.
- Você é muito chato.
- Talvez. Mas isso não muda nada. E vamos logo, não quero que seus pais nos vejam junto.
Levo ele para a esquina de casa, olho ele entrando no prédio na curva do internacional e vou embora.
O caroto tem muito talento, mais que o outro fantasma, acho. Mas é um menino, precioso cuidar dele...e agora, dela.
O Fantasma morreu rápido. O boitatá estava riscado de palíndromes. O fantasma não resistiu, atirou-se na serpente, sugado. Não menos frágil quanto mortos que não estão em carne e osso e sua carne e ossos, gritaram em conjunto por segundos, sendo então devorado pela chamas da serpente.
O avô da menina, o mascarado, teve menos sorte. O Papa Figo cuidou dele pessoalmente. Transformado em fera pela máscara do cão, foi comandado pelo vampiro e não passou sim, de um cão, humilhado física e sexualmente. O Papa Figo assegurou que sua face fosse vista através da máscara e senti sua dor e profunda repugnância em cada ato.
Eu nada pude fazer. Foi assaltado pela Senhora do Prata, e só pude assistir enquanto água destruia a rocha de que era formado.
Sua tortura durou noites, meses. Escravo que enfim, foi descartado.
O que espera essas crianças?
Porque o destino não destruiu essas máscaras?
Lembro quando foram levadas pelo Perna Cabeluda, que logo depois, voltou e me chutou até cansar.
Pedaços decartasdos de inimigos que nada significaram.
Mas eu estou de volta. Fui criado para a vingança. E essa máscara de homem que sou, o destino também não destruiu.
Recife, 2005
Um homem que veio de um enterro.
Uma mulher que veio de uma festa.
Um gigante que sempre esteve a esperar.
O cavalo, que sem cavaleiro, vive no estar.
Entre o Bar da Fossa e o Beco da Piriquita eles se encontram de novo.
Sobreviventes.
Imortais.
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