April 20, 2012
Julieta
Nina Simone canta na sala.
O gata olha desconfiada. Nina, dois segundos antes, não cantava.
Ele escuta com atenção, mas só ouve a música.
Feeling Good ocupa sua audição, e ela, preocupada, vai para as sombras.
Não há nenhum cheiro diferente.
Nada se move.
"Estranho", pensa, num pensar de gato.
Seu companheiro não está. Márcio saiu com a namorada, aquela estúpida com cheiro de cachorro.
Mais barulho...Nina é substituída pelos Titãs e algo sobre um raidinho. "Que insanidade é essa?", pensa, em seu pensar de gato.
julieta entra na sala com olhos arregalados, devorando a luz.
Não vê nada...
Espere. Sim, algo esta lá.
Ela para. Aguça seus sentidos ao máximo.
Quase não tem tempo de saltar.
A coisa é grosseira, menor que um homem, assimétrico, e muito, muito mais fino.
Em segundos, Julieta dispara para debaixo da cama.
Ela sabe que é um esconderijo frágil, mas não vê alternativa.
Ela espera. Arma o bote.
A coisa entra no quarto e ela agora pode ver os dentes amontoados na boca que parece uma ferida.
Ela salta, com medo, mas salta.
A coisa guincha, corre entre Joy Division e Daft Punk, tenta se esconder.
Mas agora é a vez de Julieta.
Ou assim ela pensa.
Outra das criaturas surge, vinda por debaixo da porta.
Falam uma com a outra numa voz que parece o arranhar de fios em um vidro.
Ela salta e corre.
Vai para a prateleira do microondas.
E quando eles entram na cozinha, ela apertar o botão.
As figuras gritam deesperadas. Ela salta para longe dos raios e observa.
Os monstros se desfazem em um líquido claro e amarelado, fedorento.
Julieta descança e espera Márcio.
- JULIETA!!!!
Márcio grita, acordando Julieta que, sobresaltada, vai para o canto do armário onde ela sabe que ele não a vê.
- Já viu isso, Carol? Eu amo essa gata, mas fez xixi na sala toda!
- Relaxa, Márcio, ela é só uma gata.
E do seu esconderijo, Julieta ouve a conversa e se arrepia.
A voz de Carol, incapaz de ser ouvida por Márcio em todo seu espectro, é como das criaturas.
Mas Julieta escuta, Julieta sabe.
É como arame que arranha vidro.
A gata se esgueira e lembra de suas instruções.
Ela sabia que esse dia viria, lhe foi dito em sonhos do futuro.
Ela tem de facilitar a vinda dos aliens, que um dia, irão tornar os gatos superiores.
Mas ama Márcio. Aquele humano inútil que anda com aquela idiota com cheiro de cachorro.
E se prepara para pular.
Ela cai no pescoço de carol e começa a arranhar e morder.
Márcio, assustado, não vê mais sua companheira, sua gata, que as vezes vê como mulher ou filha ou amiga, é só uma besta agora.
Arranca Julieta do pescoço de Carol, atirando a gata contra a parede.
Nem a vê, batendo contra a superfície dura, deslizando para o chão.
Carol, que esguicha um sangue vermelho e mal cheiroso, falso como só ela pode ser, pula sobre a gata.
Ainda viva, Julieta salta para o lado, mas cai mancando.
Márcio não sabe agora quem é a besta.
Gata e mulher circulam a sala, esperando o melor momento do bote.
Ignoram Mãrcio.
Ele não sabe o que está em jogo aqui.
Toda a raça humana, a ascenção dos felinos, mais um planeta sob o domínio dos aukxplect.
E elas saltam.
Márcio ainda está numa espécie de choque.
Ele enterra sua gata, que criou desde recém-nascida.
Carol paira ao seu lado, cheia de curativos.
Ele não nota o brilho nos olhos da criatura, que logo enviará seu relatório.
A invasão então, será eminente.
Não há um paradoxo temporal nessa história.
Márcio chora pelo único animal que o amou.
O paradoxo é emocional.
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