April 06, 2012
Coreografia II
"Estão secos", ele pensa. Com cuidado, retira com delicadeza as faixas. O pé parece melhor.
Retira também do outro. Ambos, machucados, mas sem inchaço. "Bom".
Quando pisa no chão, a dor é aguda. Os ossos parecem romper a carne a cada passo.
Ele vai até o banheiro, urina. Toma banho, escova dentes.
Na cozinha, bebe água, e leva uma maçã que coloca no bolso.
Caminha por duas horas.
Volta sem a maçã.
Ela acorda com dor. Retira as faixas dos pés, untadas com receita deixada pela avó.
Inútil. Os pés doem. Pisa no chão com cuidado. doem. Ferve água, coloca os pés.
Vai cedo para o salão. Alonga. Dança.
Conversa com as outras dançarinas, esconde a dor. Sorri.
Mente tanto que a dor penetra a alma.
Lembra da avó, também dançarina.
Mas esconde o que sente, o que dói, e dança.
O almoço é verde. Tão verde que parece que fungo brotara do prato.
Ele come sem pressa. Bebe apenas água.
Descança o resto da tarde.
Reza. Uma oração sem pai. Lembra do filho.
Dorme. Mas não perde a hora.
Massageia as pernas. Antes e após um banho.
Come com as meninas. Pouco. Ela está nervosa.
As outras sabem, elas também estão. Mas não se fala nisso.
Volta para casa, olha a roupa. Olha a foto da avó.
Deita a cabeça e ouve a caixa de música. Seu último presente.
Imita, com os pés na cama, os passos de hoje.
Dorme. Mas não perde a hora.
Eles gritam.
Suspiram. Conversam.
Ele bate. A carne choca-se com carne. Ossos estalam.
Ele voa. A carne beija o tablado. Ossos estalam.
Seu pé dói. Sangue, de ambos, dançam em seus pés. Seu pé dói. Sangra? Se sim, o faz discreto.
O juiz puxa seu braço. Ele marca o tatame com suas pegadas.
Ela sorri. De dor. Mas dobra seu corpo para os aplausos.
- Oi.
- Oi.
- Como estão seus pés?
- Bem, muito bem e os seus?
- Ótimos. O unguento de sua avó me ajudou. Mas você mente mal.
Ela sorri.
- Só você sabe disso.
Eles sorriem.
Seus pés, virados para os pés do outro, tocando o chão.
Se tocam.
Se amam.
Descansam.
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