April 07, 2012

Favores

O sapato é lindo. Ela olha e não vê etiqueta, marca. Nem há uma nota, nada. Está lá. Lindo, sem caixa, nada.
O sapato é vermelho, salto alto.
Ela poderia usar na festa. A festa da qual ela tem medo. A festa que verá tantas e tantos, que lhe esnobaram.
20 anos se passaram. A formatura e os risinhos, as fofocas, as rejeições.
E o sapato parece brilhar. É sim, lindo.
Ela o pega, experimenta. É perfeito.
Perfeito para ela.
Há um sentimento de culpa e procura entre os vizinhos se eles haviam deixado algo em sua porta.
Não, não deixaram. Nem esperam nenhuma encomenda assim.
5 dias para a festa.
Agora ela tem os sapatos.

A pulseira é linda. Ouro e brilhantes. Ela não acredita quando a vê.
Não há caixa, notas, nada.
A pulseira caça seu olhar, mas ela tem medo.
Quem estaria lhe deixando presentes assim? E um tão caro. Tão caro.
O medo a faz deixar a pulseira ali e vai trabalhar.
E ela esta lá, horas depois, intocada.
Como, ela não sabe. Na rua, exposta, obviamente cara e ninguém a tocou.
Ela sente um calafrio, e não resiste mais. Pega a pulseira e entra em casa.
4 dias para a festa. Ela está nervosa e com medo, mas feliz.

No dia seguinte, são brincos.
Brincos perfeitos, brincos que combinam exatamente com a pulseira.
Ela passa as horas pensando na festa. Nomeando e pesando ofensas.
Quantas vezes a chamaram de feia. Seu diário roubado, as brincadeiras horríveis.
E olhando para seus presentes. Quem os teria deixado? Ela não faz ideia.
Algumas vezes, prefere mesmo não fazer. Mas está agradecida.
Toda vez que os experimenta, sente-se mais bonita. Como se transformada pelas peças.
3 dias. Ela está ansiosa. Mas não pelo medo que sentia. Se sente mais segura.

Então, surgem anéis.
Esses estão em pequenas caixas, quase tão lindas quanto o que está dentro.
Perfeitos para seus dedos.
Para sua medida exata. Medidas que não mudaram.
Seu corpo é o mesmo, alta, magra. O tempo não lhe alterou a figura.
E ela preferia que o tivesse.

Um colar.
Suas pedras são lindas.
Pequenas e perfeitas vinganças.

E no dia da festa, como ela já pressentia, um vestido.
Um vestido não...O vestido. Ele é lindo.
Os detalhes verdes e brancos no vermelho, gemas minúsculas que parecem fazer a luz dançar.
Ela o ama. Quando se veste para a festa, não é mais a Helena de antes.
Helena feia. Helena virgem. Helena chata.
Helena, humilhada.

Chega a hora.
Ela sai para a festa. Espera o táxi fora de sua casa. Ansiosa. Poderosa. E ela o vê.
Ele é baixo. Feio. Ele, também, pouco mudou.
Ela o havia esquecido.
Ele está bem vestido, o anão.
Ela agora sabe.

- Oi Antônio.
- Oi Helena.
- Obrigado.
- Eu prometi, não?
Ela chora.
- Não, não, não. Que é isso...
- Desculpe, Antônio, não posso.
- Nunca pode, não?
- Antônio, por favor.
- Sim. Favores, Helena. Vim cobrá-los. Paguei minhas promessas. Vim cobrar a suas.
- Não posso, Antônio, me desculpe, eu...
- Você está linda. E hoje, não só para mim. Vamos.

Ele estende o braço para ela.
Ela lembra de suas promesas, de ambos, crianças.
Ele lhe oferece um lenço que lhe enxuga as lágrimas.
Ela lembra do suporte, do carinho, esquecidos por todos só tinham a si.
Ele a conduz para o carro. Não sorri, mas está satisfeito.
Triste, a anã entra, ao lado de um príncipe, que para ela, nunca será encantado.
Por mais mágico que seja seu coração.

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