April 08, 2012

Olhos de Górgona

Ele pensa em seu avô, Acrísio.
"O mundo está lá fora", ele disse.
Suas últimas palavras, seguidas pelo seu último gesto para mim...um dedo apontando duramente para a porta aberta.
E andou o mundo, mas não gostou. Saiu para fora para entender o que havia de errado, dentro.
As razões de sua rejeição, a punição por um crime que não cometeu (ainda).
Mas cumpre seu exílio. Apenas aos 21, volta para a cidade que, lentamente, é comida pelo mar.
E ele aprendeu tanto. E tão pouco. Pois o mundo gira e se repete, nos gestos delicados e no horror que só a humanidade produz com tanto afinco.
Quando Perseus chegou, o sol estava alto. Fim de tarde. caminhava por uma estrada dourada que a luz fazia das pedras negras que calçavam a rua.
Em alguns locais, o chão se salpicava de luzes, casos de vidro transformados em brilhantes.
O mundo anunciava sua chegada a cidade que, distante, o amava. O herói do porvir, havia chegado.

Logo se estabeleceu. Abriu comércio, vendendo produtos piratas. Tinha amigos, de copo e de farra.
Mas nem tudo era tão simples na vida de Perseus e perfeito.
Havia uma mulher. Claro, uma mulher. Não que Perseus tenha sentido falta de mulheres.
Elas, claro, caiam aos pés do herói, vitimadas por flechadas de amor que lhes cortavam a razão como espada, perfuravam suas almas como lanças, e então, jaziam, enfim, sós. Pois para Perseus, havia glória na caça, em fisgar, mas não, nunca, no lar.

E havia Medusa. Uma das três irmãs, as Górgonas.
Fria, uma criatura do mais bruto sentimento. Medusa era, no entanto, a dona de muitos dos amigos de Perseus.
Transformava seus corações em pedra. Diziam que, bastava dela, um olhar.
Perseus, herói e malandro, não se fez de rogado. E foi ter com ela.
O seu covil era no Recife Antigo. Uma parte da cidade que trabalhava para ela. Onde era ela, a caçadora.
Ao som de Rolling Stones, os dois se encontraram. Ela tirava o fôlego de quem estava a sua volta.
Sua cabeça era ornada pelos seus longos cabelos, pareciam uma coroa de serpentes, vivas, famintas.
Ele se aproximou dela na boate, invisível, camuflado no som de Sympathy for the Devil, que parecia revolver em volta de sua cabeça.
Ele suspira seu nome, perto de seu ouvido.
Ela o olha. Ele, retribui.
- Meu nome é Perseus.
- Eu sou...
- Eu sei.
Sem medo, o herói cavalga aquela força e a devolve. Medusa tenta dizer algo e para.
Ignorada sua força, o herói decapta sua vontade.
Perseus vai embora, carregando o número da megera, lhe deixando promessas vazias e em breve, um coração partido.

Ainda no Centro, Perseus vê Andrômeda.
Acompanhada do noivo, um monstro (não, na verdade, não), que a puxa pelo punho (na verdade, estão de mãos dadas).
O herói, incapaz de ignorar tanta beleza, espera quando o monstro de afasta e se aproxima da jovem.
Esta confessa: "Só está com ele porque agrada aos pais".
Eles fogem, noite adentro.
Dirigindo seu Pegasus, Perseus a leva com segurança para sua casa.
Andrômeda grita de prazer, a ponto de calar a luz das estrelas.

Arrependido, Acrísio vai a casa de Perseus.
Que o atropela por acidente ao levar Andrômeda para casa.

E a tragédia termina.
Ainda bem.
Em um dia, ou mais.

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