April 17, 2012

Origami


Ela dobra a si em pequenos pedaços.
Os guarda na bolsa.
Nos bolsos.
E sai da casa. Uma fortaleza de pedra, mais fraca que o papel.

Dobra a esquina.
Faz a curva.
Toca as paredes na ruas quebradas.
Desliza suave seus dedos.
Como o faz com o papel.

O mundo explode em formas e cores.
Em seu caminhar que o enquadra.
Desenha delicada a sua passagem.
Transforma a paisagem com seus passos.

Um unicórnio branco passeia pelo canto de seu olho.
Ela vira-se em um giro lento e desenha, com dobras, o mundo.
O unicórnio lhe pertence, assim como outros.
Sonhos feitos de papel.

Na casa de sua irmã a porta abre com facilidade.
Eles a esperam.
O incenso, os retratos. Espirais de fumaça que não dobram.
Eles a imploram, lhe dão presentes.
Ela faz um gesto e os aceita, os toma nas dobras de sua roupa.
Calças e blusa que se tornam, para seus dedos, kimono.
E vai.

Na rua, dobra o papel na forma de estrelas.
Uma constelação de papel colorido.
Ela suspira uma pergunta, e faz da foto da criança, um origami.
Uma agulha da bússula estelar.

A cidade se contorce, vira, mexe, quase se parte.
Ela se move com passos curtos.
E cada vez que baixa o pé, este toca numa rua diferente.
Então, tudo para.

As cores são mais vivas, rápidas.
A luz, mais forte.
Ela recebeu os presentes das pessoas erradas.
Na busca por um dos mil infernos, ela achou uma porta para o divino.
Quer refazer seus passos, mas não pode.
Aqui, mais do que em outros lugares, obrigações terão de ser pagas.
Ela entra na luz, e esta a esconde em vincos, como de um kimono.

O ar se afasta. Rejeita sua impureza.
Tímida, pela primeira vez em anos, ela passeia no castelo de luz.
Incapaz de dobrar esse espaço, lhe resta apenas o papel que trouxe.
Ela chega a uma sala pequena depois de andar em grandes, enormes salões.
A bússula aponta diretamente para a criança.
Sentado, pernas dobradas, olha para ela com horror.

- Eu vim buscá-lo.
- Quem me deseja?
- Seus pais.
- Meus assassinos.
- Não tenho escolha.
- Todos temos.
- E você foi vítima?

Ele se cala. O menino levanta-se, olha para ela de muito alto. Ele é confiante.
Ainda sem falar, ele tenta dobrá-la.
Um origami de carne, frágil, humana.
Seus dedos agem rápido.
Os pássaros de papel voam na direção do menino e lhe cortam os dedos.
Cortes pequenos, delicados, mas dolorosos.
A criança para e chora.
E ele chama a luz.

O próprio sol entra na sala.
Quente, forte, viril.
Ela abraça seus calores, mas ao mesmo tempo, resiste.
Faz origamis com seus sentimentos e os guarda.
Mantém a face passiva.

- Você resiste.
Diz a voz de dentro da estrela.
- Eu insisto. Tenho meu contrato.
- Corre o risco de matar uma nova estrela. Vale a pena?
- Não. Mas não tenho o poder de recusar o que me foi dado livremente e aceito.
- Mostre.

Das dobras de sua roupa surge o pagamento.
Papel sujo.
Ele queima diante dos raios do clarão.
Nada resta, que a prenda ou amarre.

- Obrigada.
A estrela a deixa passar e a desdobra desse mundo.
Cai sentada numa poça de lama.
Ela não aprecia o gesto.
Se levanta, envergonhada e magoada.
Compra um jornal, vai numa loja e no banheiro, dobra para si novas roupas e se troca.

Volta para casa cansada.
A pedra lhe recebe com carinho.
O peixe aberto na mesa. A família de coração aberto.
Ela senta para comer pensando no dia de trabalho.
Mais um dia, um padaço de vida.
Que lentamente se desdobra em momentos e memórias.
Em erros e aceitos.
Em mais um origami.

1 comment:

Cristiane Yuka said...

Parabéns pelo texto!!! Beijos de Yuka

http://yukaorigami.multiply.com/