Pisca. Pisca. Pisca. Pisca.

Pisca. Pisca. Pisca. Pisca.
E pisca. Pisca. Pisca. Pisca.
E mais um pouquinho. Pisca. Pisca. Pisca. Pisca.
Se ela tivesse dinheiro, quebrava logo a tela.
Pisca. Pisca. Pisca. Pisca.
Poha. Cursor do inferno.

- E o artigo?
"Caralho de artigo! To aqui bebendo uma e o filho da puta me pergunta de artigo?!?"
- Tá indo.
"sou cara de pau mesmo".
- Que bom, estou ansioso para ler. Estou escrevendo um na mesma linha. Vou apresentar amanhã para minha orientadora.
"Eu sei seu filho da puta. Sério, porque eu transo com esse cara?"
- Que legal, Manoel!
"E rumo ao Oscar..."

Ele sai de cima de mim e de dentro de mim. Me levanto e vou ao banheiro. Ele vai logo atrás. Ele, sempre com pressa em tirar de si qualquer vestígio nosso. Pelo menos ele o faz calado. Aliás, sexo para ele é silêncio. No escritório, posso ver a luz. E posso quase sentir o cursor.
Pisca. Pisca. Pisca. Pisca.
Poha.

Pisca. Pisca. Pisca. Pisca.
"Está bem, não aguento mais. Ou escrevo isso ou enlouqueço!"
E ela não escreve.
Pisca. Pisca. Pisca. Pisca.
Seus braços permanecem imóveis.
Pisca. Pisca. Pisca. Pisca.
Liga para uma amiga. Conversa online. Checa suas notas.
Pisca. Pisca. Pisca. Pisca.
Paga as contas pelo micro. Compra algo para ver se se anima.
Pisca. Pisca. Pisca. Pisca.
Frustrada, come mais do que gostaria e sai para andar.

- Aí!
- Desculpe, me distraí.
- Por que você não se distrai com a...
"Cale a boca e olhe para ele..."
E ela olha bem. Ele fica sem jeito.
- Eu te machuquei?
- Não...não, eu...
Ele sorri. Ela derrete.
"Ele é a cara de Zé Luís".
Zé Luís que foi embora num intercâmbio, se apaixonou por uma gringa e, bem, é história.
- Bem, desculpe tá. Péssima maneira de se apresentar a vizinhança.
- Não, que é isso. Eu que estou nervosa. Estou agoniada com um artigo e...
- Artigo? Sobre o que?
"Mais um "ajudante"..."
- Sobre "deus ex machina". Eu acredito que a técnica hoje faça parte da mecânica intrínseca de uma narrativa.
- Será? Ei, desculpe. Eu escrevo. Peças. Teatro.
Ele sabe do que ela está falando. Ela se derrete de novo.
- Posso ver seu artigo? Se quiser, posso te ajudar...
- Esse é o problema. Não há artigo. Não estou conseguindo escrever, nem passei do resumo ainda.
- Acho que você precisa relaxar. Já que esbarrei em você, posso te oferecer um chá?

Pisca. Pisca. Pisca. Pisca.
Exausta, ele chega perto do micro.
Pisca. Pisca. Pisca. Pisca.
- Sara, vem cá.
Pisca. Pisca. Pisca. Pisca.
O artigo, terminado.
"Tchau cursorzinho do coração"
Ela desliga o micro e vai ser amada.