April 15, 2012

Quase Parando


Ele pede, pela terceira vez. Eu faço promessas que não cumpro. Mas minto, digo que farei.
O trabalho se acumula e espero que alguma mágica o realize por mim, que as linhas de código se escrevam por sim, que os documentos sejam elaborados por sí próprios que os relatórios se façam cumprir pela vontade do destino.
Algo, eu faço. Mas sem apreço.
Não há amor no trabalho, não existe afinco.
O mesmo se reflete em casa. Pilhas se acumulam, sujeira já se junta em óbvia tentativa de revolução, as conspirações secretas das baratas agora são revolta em sala pública. Na geladeira, Cthulhu já tem agentes pronto para que se domine minha casa sem resistência.
Sem resistência. É isso.
Não resisto mais ao tempo, as pessoas, as idéias. Talvez ao novo acordo, idéia ainda me parece errado sem o acento. Mas só.
E há uma causa? Há, mas só de pensar meus neurônios se cansam.
A letargia toma meus olhos, dedos, e as vezes, até a língua.
Evito falar com as pessoas. Não há bem porque, pois parei. Anacrônico, existo fora do tempo.
Queria existir fora de mim.
Deixar que corpo cumpra sua função sem nunca precisar de meu auxílio.
"Waste away with me", lembro, com esforço hercúleo da memória que se alinha em gesto de vagareza com os demais elementos de mim, de uma música de uma banda, que agora, não tento lembrar.
Afinal, tenho preguiça.

A mesma que me inibe de acabar com tudo.
De jogar os projetos para o alto.
De digitar format qualquercoisa, dois pontos. Cada ponto um pedregulho, e meus dedos não os carregam como Atlas o faria.
A preguiça e tomar as pílulas que me receitam.
De tomar as pílulas que me receito.
Pílulas de Lethe.
Guardadas na gaveta do escritório.
Que é pesada e não posso abrir.
Mas longe das crianças. Que me cansam, só de olhar.
Tanta energia, tanta disposição.
Para um mundo que as vai engolir, devorar sua vontade, suas paixões.
Não há amor que resista, não há emoção que fortaleça.
Afinal, tenho preguiça.

Quando ainda me atrevia a sentir, pensava:
Não, Esqueci.
E meia hora estou aqui, o único que não tem preguiça é o ponteiro.
Anda vagoroso para lugar nenhum.
Éramos gêmeos.
Agora habito o mundo do "não".
Não penso, não me movo, não sinto.
Se há inercia esse potencial se perde.
Me sinto próximo, a cada momento, de ser deixado pelo mundo.
Seria jogado a 1645km/h pelo espaço.
Para ser frito, congelado, explodir, implodido ou whatever.
Não sei bem como seria inutilizado.
Afinal, tenho preguiça.

Acho que foi um vírus.
Ela o deixou quando partiu. Mas não senti que me partiu.
Só foi ela. Ela, com tanta preguiça, deve ter tido preguiça em olhar.
Ou pensar.
Ou ver.
distinguir.
Entre vermelho e verde, em ligar uma seta, ao virar numa reta.
Seria o poste, preguiçoso?
Caiu o sangue, lentamente?
Teria, quando morreu, preguiça em ir?
Os segundos que demorou, tornaram-se dias, meses, anos, milênios?
Estaria até hoje, congelada no tempo?
Um gato de Schrödinger, com preguiça de decidir seu destino?
Mas sempre morto.
Queria ir com ela.
Abandonar as pilhas, os filhos que já estão com a vó.
As pobres baratas, que moreriam a míngua sem meus restos.
Meu chefe, que teria sua paciência desperdiçada.
Infelizmente, não dá.
Afinal, tenho preguiça.

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