May 08, 2012
Água Salgada
Não chove mais. Não há mais onde a água ir, rolar, estar entre nós.
Será que vai chover? Pelo menos por hora, quando a maré do céu tornou-se tão clara quanto do mar, não chove mais.
O sono toma conta no frio gostoso. Me obrigo a me por de pé, tomar um banho frio, acordar, sair.
Lama sob meus pés me lembra a noite passada, quando te carreguei nos braços.
Pego o carro, ainda batido, e vou te procurar.
A água do mar banha a tua casa. Só o primeiro andar ainda descoberto.
O sal impregna tudo, com um cheiro, sabor, agradável.
Te vejo sentada, me esperando.
- Está melhor?
- Estou. E você?
- Ainda um pouco abalado, mas não me machuquei.
O carro veio sem rumo, no nosso rumo.
A batida não foi forte. Mas fez girar o carro, que bateu em outros.
A chuva forte, onde tudo torna-se cego, beijava a cidade com força.
Meu carro bateu no dela, que bateu em restos de uma árvore, que caiu.
Saí do carro. Vi seu carro quase caindo no mar, pulei na água escura.
Seu sangue tinha gosto de água salgada.
Carreguei em meu braços, o murmurar tenso, amedrontado.
Seus olhos abriram para a noite e para os meus.
Te coloquei no banco do carro que balançava.
Conversamos. Eu com lama até a cintura, você, com sangue na testa.
A chuva dimuindo, nossa conversa aumentando.
Presos na sombra de um dia que não vinha, conhecemos a nós mesmos no outro.
Quando pude, a levei para o hospital, apinhado de gente e de mar.
- Quer chá?
- Aceito.
Sua voz é de sereia. A mesma de ontem.
Lembro de outra assim, anos atrás.
A cidade ainda existia. O mar não havia devorado o mundo.
Ela nadou, gritando, e eu, morrendo, não a salvei.
Agora é diferente. Não há vítimas.
Ela traz o chá.
- Seu carro, vai ficar bem?
- Não sei ainda. Não liguei para ninguém que pudesse olhar.
Eu olho o carro, de onde estou.
Ainda há marcas do reboque, arranhando o arranhado.
A árvore lhe marcou, metal enferrujado contra madeira morta.
Seu carro parece bom, mas eu não entendo tanto.
O meu mal flutua.
- Eu tenho de ir.
- Já?
- Já. Tenho muito trabalho a fazer.
- Está bem. Quer voltar mais tarde?
- Adoraria. Virei sim.
Seu abraço é quem, fraco.
Seus olhos azuis contrastam com a nuvem cinza que emoldura nossas vidas.
Vai chover.
Eu a beijo na testa, toco suas mãos.
Vou embora.
Voltarei mais tarde.
Sobrevivendo a cada dia, em encontros casuais.
Ignorando o gosto de água salgada na minha vida.
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