May 09, 2012
Um Carneiro Entre Lobos
Ele desce a ribanceira sem pressa. Pode ver a cidade em chamas do outro lado do rio e sabe que se atrasou. Um grupo de refugiados passa apressado, carregando tudo que pode. Um deles levanta a cabeça e o olha nos olhos. Um ariano.
A arma dele cintila e cospe um jato de calor. Ele não pensa. Reage. Salta. Dispara. Do local no chão para onde pulou, vê o corpo carbonizado, ainda tropeçando, sem saber bem que morreu. Nunca passa por sua cabeça que poderia ter sido ele o homem morto. Afinal, é também um ariano.
- Não vim matar vocês.
Sua voz soa forte, e suas palavras são emolduradas pelo corpo ainda fumegante do homem que acabara de matar.
- Ele me atacou.
Levanta do chão e se aproxima do grupo, guardando sua arma. Não há outros arianos entre os refugiados restantes, ele está a salvo.
- Meu nome é Silas.
- Eu me chamo Heran.
O leonino faz uma mesura, que Silas responde de maneira idêntica.
- Heran, pode por favor me dizer o que houve?
- Recebemos um alerta, mas a cidade não foi evacuada logo. Foi isso o que aconteceu.
"Eu odeio leoninos", pensa Silas, "a menos que estejamos falando deles, nada tem de fato grande importância."
Ele procura identificar o sol de cada um, mas não consegue. Nem se arrisca em irritar Heran. Quer queira, quer não, ele é sua melhor fonte de informação no momento. A despeito de suas outras fraquezas, leoninos são orgulhosos e Silas sabe como usar isso.
- Não havia uma milícia?
- Sim, sim, havia milícia, baterias, colunas de chamas e um campo estático. Eles parecem ter ignorado tudo. E quando atacaram a cidade, eles não chegaram a parecer arianos. Claro, destruíam tudo, sim, mas há algo estranho no comportamento deles. Sem ofensa.
- Somos o que somos.
- Somos o que somos.
O leonino não responde sozinho, é apenas uma parte de um coro. É a primeira vez que todos falam, um condicionamento que elimina o medo e cansaço. A religião, une a todos. O zodíaco é tudo.
"Ou não", pensa Silas com vontade que rebate sua doutrinação. Arianos sempre foram o mais fáceis de aceitarem causas, os mais difíceis de se convencerem de algo e os mais rápidos em irem contra o status quo. Sua doutrinação sempre foi a mais curta e intensa. E ao mesmo tempo, lutam contra autoridade, procuram uma revolução em tudo. O Zodíaco aceita que arianos tenham fases assim, e os aceita de volta caso desejem. Silas, porém, é um dos arianos "maus", e juntou-se a uma célula rebelde, com suas próprias doutrinações, seus métodos de enxergarem o mundo, de questionar.
Silas foi a cidade como batedor. Seu grupo recebeu uma mensagem. Um alerta, mas que não identificava o inimigo. A Cidade do Rio foi atacada e massacrada. E ele chegou tarde demais, ou quase. Certamente não cedo o suficiente para ajudar em nada contra os invasores.
- Eu tenho de ir.
- Estranho, não vá.
É uma taurina. Ela pega no braço com força, ela teme até mesmo por ele.
- Eu tenho de ir.
- Não percebe que será morto?
- Talvez. Mas recebi minhas ordens.
Ela abaixa a cabeça. Arianos e ordens andam de braços dados, sempre. Seria inútil discutir com ele, ela agora sabia.
- Desejo boa viagem a vocês. Vão pelo caminho de Da Mata, não vi ninguém por lá.
Ele continua descendo pela mata norte, onde vejo a cidade cortada de rios que agora ardem em chamas.
Me escondo em meio aos escombros. E agora sei, não foram arianos. Isso me assusta. Por mais de 200 anos, não há soldados nascidos em outros sóis. Ninguém é estúpido. Nenhuma força de outros sóis ou combinações, supera os arianos na guerra. Vivemos, respiramos e sonhamos com o conflito.
A cidade tem as marcas erradas. A fúria poderia ser de arianos, mas raramente matamos tão indiscriminadamente. As armas são, tão estranhas. Não usaram canhões de calor, e sim, armas de projéteis. Não saquearam, não parece ter havido estupros e não saíram ainda da cidade. Muitas vezes tive de sair do caminho de pequenas patrulhas. Também, diferente de arianos, escondem os olhos. O que é idiota.
Como sentir se alguém é do seu sol sem lhes enxergar a alma?
Eu vou até onde parece ser a maior concentração de seus veículos.
OS antigrav não parecem diferentes do padrão, mas são mais esguios. Não entendo como carregam tantas tropas com tão pouco espaço.
Ou melhor, não entendia.
Um dos antigrav começa a se mover e vejo os soldados se agarrando no casco. Fazendo PARTE do casco.
Como eles não são achatados ou expulsos pelo próprio campo magnético, é algo que não entendo. Talvez a armadura seja bem mais resistente do que imagino.
Vejo um grupo deles atirando contra uma parede e agora percebo que é a marca do Zodíaco. Porque? É uma guerra religiosa? Mas quem odeia o criador? Mesmo eu, que começo a duvidar, não consigo pensar em ódio. Uma nação, então, bem armada, fazendo isso? Impensável.
Também é impensável deixar que tivessem me percebido, impensável também que se esgueirassem por trás de mim, impensável um ariano sendo levado prisioneiro por não-arianos, mas é exatamente isso que ocorre.
Ele acorda dentro de uma nave. Percebe logo que não está só, mas é o único acordado. Sua cabeça dói, o ferimento nas suas costas foi tratado, mas ele se irrita com as drogas e com as correntes.
Ele está nu, mas isso não quer dizer muita coisa. Não arrancaram seus braços. Eles certamente não são zodíacos. Mas não tem tempo agora para hipóteses.
Os compartimentos em seus braços, foram feitos para que ele os abra com os dentes. Ágil, pega um cilindro e com os dentes e língua, opera sobre o metal. Logo ele corta as correntes, e buscando dentro de outro um outro compartimento, toma drogas que o deixam alerta.
Ele verifica os outros prisioneiros. Boa parte, arianos. Começa a despertá-los.
Começam a se organizar e os de patente mais alta, vão dando ordens.
O líder olha para ele, percebe que é um apóstata, mas o deixa em paz. Um pequeno gesto de agradecimento é trocado e não se olham mais.
Silas não cumpriu sua missão, mas vai aproveita oportunidade que tem a mão.
Quando o conflito toma a nave, ele busca uma maneira de escapar.
Não consegue.
A nave começa a cair.
O combate não para. Arianos e seus captores lutam sem parar.
Um deles cai por sobre Silas, que dispara, debaixo para cima, arrancando o capacete e parte da cabeça do inimigo.
E enfim ele os vê. O horror. O demônio que o Zodíaco sempre nos alertou.
Por baixo da armadura, um homem. Um homem sem marcas. Sem a tatuagem do sol, sem uma tatuagem da lua, sem o símbolo de ascendência.
Um homem de cor distinta, barbado, e que, diferente dos zodíacos, envelhece.
Silas, desesperado, digita no comunicador de seu braço enquanto grava a mensagem.
- Aqui é Silas. Eles voltaram. Não são zodíacos. Eles voltaram.
O homem abre os olhos, que brilham vermelhos. A entidade alienígena por trás de seu cérebro parece se espremer para frente, modificando seu rosto, quase expulsando seus olhos das órbitas.
- Sim, voltamos.
E sorri, antes de morrer mais uma vez, momentos antes do impacto.
"Pelo menos consegui avisar a eles", pensa Silas, antes do mundo queimar e espatifar-se a seu redor.
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