May 13, 2012

Reparando Ausências


Recife, 2010


Ele recolhe as lágrimas em um copo e as bebe.
O gosto não é de raiva, não saboreia frustração, o sal não é vingança.
São lágrimas de perda e saudades.
Ele realiza o encantamento.
Se encanta, então assim, em conjunto com o tempo.
Da memória, que o devora, a deixa, tomando a forma.
E a vê, outra vez. Onde sempre esteve.
Em Sacrifício.
Um lugar, um espaço, fora de tudo, dentro de nós.
O acolher dos orfãos, o amor de mãe, as negações da vida.
O carinho de cama repartida, pela criança amada, em sonho, concebida.
Os cabelos que se amarram, o calor que se aninha.
As palavras doces, a saudade eterna.
No seu encanto, ele vê o que encanta.
A mulher de óculos e pele portuguesa.
De força e raivas e preconceitos, tão humanos.
E um coração celestial, que abraça e abriga mais que o ventre.
Ele a vê forte, fraca, feliz e triste.
Tantas lágrimas e sorrisos, conselhos e exemplos.
E as lágrimas, as suas, vão secando.
Por mais que some ao copo, iguais irmãs da saudade, o encanto se vai.
A imagem some, a vida volta.
Com ausência de vida.

Ele olha olha para o chão de pedra e desce da torre.
E não há nada que lhe conceda descanso ou reparo.
O dia passa rápido.
A saudade, não.
Crônicamente, escreve, sobre um ato sem perdão, a memória.
Pois tudo é o que resta do que foi.
Nada há no presente, se não, reflexos.
De imagens concedidas nas lágrimas.
De feitiço tolo, de reza incapaz, de promessas estúpidas.
Nada paga uma ausência.

Ele, em seus sonhos, devaneia.
O povo grita, como gritou anos atrás.
Ele, escutando o mundo, se faz surdo.
Mataram a única pessoa que ele amou e ele refez o mundo a imagem de seu ódio.
E eles o odeiam.
Ele, que surgiu para curar, criado do sangue e cinzas de santos.
Nas montanhas viu o povo sofrer e cavalgou com fúria em sua defesa.
E nada, do dia, se guarda, a não ser as sombras.
Quando morre sua mãe.
Obssessão pela vida, da morte surgida.
O sangue dos empalados, um dia a ser imitado, nada, dessa feita o faz.
E o ódio o encarna junto a eternidade, assim como sua não vida, é sem fim.
Até seu término, ou impasse, anos atrás.

Ele olha para o grupo e só acha desdém.
Mas sorri.
Os olhos negros e vazios, sorriem.
Eles o despertaram como não pôde.
Deixando. Lá. Na terra fria.
O sangue lhe dá vida. A carne lhe empresta vigor.
O vampiro sorri para o grupo.
E lhes devora.

Em outra parte da cidade, André, o fantasma, desperta.
Ao seu lado, uma máscara.
Na janela, dois gatos.
Na noite, ele sente uma promessa, escuta uma reza, vislumbra um feitiço.
Morto, não teme.
Mas sabe.
O Papa Figo voltou.

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