June 20, 2012

Descolor


O processo é lento, mas contínuo. Inquestionável. Não é fácil de ser percebido. As coisas parecem as mesmas, e mesmo quando eles começam a se sujeitar ao interno que se reverte no físico, nada se nota. Há uma plausibilidade irreal, descuidado ignorar que se apresenta como parte do processo. Um fungo microscópico que, lentamente, se avoluma. Até tomar o lugar do mundo. De meu mundo.

Eu não percebi. Achava que era o tempo. Subitamente, frio. A chuva desejando rasgar os muros de minha prisão escancarada. A casa era habitada por sombras, que eu pensava serem, filho e esposa. Que eram, até virarem sombras. Sombras do que nunca foram. Filho e esposa. E era o tempo. A chuva que resvala na janela opaca, que nunca permitia a passagem de luz, mas que pouco impede o frio.

E como era lento. Passei a ficar aqui. Sempre aqui. Os amigos ligavam, mas eu, já doente, os ignorava, dizia que sim, estava doente. A doença era nada, nada não, era sintoma. De nada. Do nada. Que funcionava, não. Era um apagar interno das luzes, da repartição do meu corpo em pedaços. Divida e conquista, dizia o processo, e eu o cumpria, ausente de mim.

Na casa, o processo tomava as contas. Das contas. Não pagas. Do mundo em apago. Nas roupas jogadas, em pratos empilhados, na sala enlutada. Mas eu notei? Como? O processo cega. Enévoa os sentidos além da visão. Entorpece. Você está bem, está tudo bem, nada mudou. E crescia. E tomava.

Um dia, fiquei em casa. Ignorei os compromissos. Nâo havia nada de importante me prendendo. Nada. E nada se fez. Pois desse dia, nada se criou. Foi um ficar sem ser, um estar sem crer, uma nada, haver, pois não havia, nunca, nada. E o dia veio, foi e fiquei. Em casa. Ouvindo a chuva.

A roupas eram nova geografia. O cesto, não se recolhia. E a invasão começava, constante, eterna, como desterrado pesadelo de desapego. Traças se acumulavam no teto, em vagalhões cinzas. Peregrinavam na minha frente, com pressa de larva. E vieram as baratas. No começo, tímidas. Então quem as coma, apareceu. Pequenos lagartos de branco doentio, que logo cresciam, dragões do lixo de minha vida.

Não notei nada. O tempo passava. As sombras me ignoravam. Sobras de uma vida desescolhida. Um dia, sentei, e não levantei mais. O pés não se desfincavam, e cansado, não lutei. Fique aqui. Não sei por quanto tempo. Branco, riscado de negro, a pele desbotada e mamórica, abandonado por um tempo que abandonei, fiquei. Parado, sozinho, ignorado até mesmo, por mim.

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