November 20, 2012

Receita de Bolo



Eu gosto de ovos. Na boa, é de todas as formas a que mais aprecio. Essa falsa assimetria, sabe?
Então, eu pego três. Estão frios ainda. A geladeira funciona bem. Compramos não faz um ano.
Pego margarina. Eu nunca gostei de margarina. A meu ver, não passa de uma manteiga barata. A marca, foi ela que escolheu.
O açúcar eu pego logo depois. Separo tudo em cima do balcão, sobre um prato. Eu tenho mania de limpeza. Pelo menos é o que ela diz. Eu me acho apenas higiênico, nem mais nem menos. E o açúcar, como não me vejo responsável pela sobrevivência e manutenção de formigueiros, mantenho acondicionado em um tupperware dentro da geladeira.
Eu já havia preparado antes a mistura de farinha de trigo, maisena e fermento.
Junto tudo. Sempre, junto tudo. E como não, né? Acho que todo mundo junta tudo. É daí que surgem tantas brigas, conflitos tolos.
Os ovos eu quebro com cuidado. A gema escorre como a boa vontade. Tudo que fica, no fim, é casca rachada.
Pronto, agora o leite.
E vou batendo.
Eu sempre acabo suado na cozinha. Sempre me esforço demais. Sempre exijo muito. Me pergunto se vale a pena tanto esforço.
Pego as nozes. Ela nunca gostou.
"Já comi nos melhores restaurantes", a ouvia dizer com certo orgulho.
Eu? Não.
Meus hábitos eram caseiros.
A melhor cozinha do mundo eu via sendo realizada a minha frente, um templo que me sempre foi negado.
Bem, sempre preferi comer.
Mas ainda guardo os artefatos.
A colher é a mesma, por exemplo.
Os mesmos detalhes, peso, que me acostumei a sentir enquanto crescia.
Na sala, passa "Conan, o Bárbaro".
E enquanto mexo tudo, escuto o pai de Conan dizer que não se pode confiar em deuses, animais ou no homem, mas o metal nunca irá lhe trair.
Pais.
Sempre, mesmo quando são anti-didáticos, nos ensinam sempre as melhores lições.
Pego um pedaço de noz e coloca na boca.
Amarga delícia.
Ela só era amarga.
Coloco na forma e daí, no fogo.
Cozinhar é fácil. Aliás, poucas coisas são de fato difíceis.
As pessoas, porém, preferem criar dificuldades, viver em estruturas estúpidas que as impedem de crescer, serem felizes.
5, 10, 20 minutos.
Diminuo o fogo.
Taí, para isso eu preciso de receitas. Sempre fui desmedido, intenso.
"Você é 8 ou 80"... Será? Talvez. Por isso a elegi como meu referencial humano.
Errei a mão.
O bolo quase queima.
O salvo no fim.
Só o bolo.
Mas algumas coisas podem ser salvas.
E o deixo esfriando.
Bebo água e espero, arrumando a sala.
E o celular toca.
"Oi, Pai, posso subir?", ele pergunta.
Não hesito.
Afinal, ele também gosta de nozes.

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