July 27, 2013

G


- Gravidade.
Diz ele, quase um cochicho.
- Como?
Perguntaram os lábios em torneado vermelho.
- Pensando sobre a gravidade. Você sabe, a força gravitacional. Seu giroscópio está bom?
- Você é profundo demais pra um gigolô, sabia?
- Ninguém é perfeito, baby.
"GALILEU A-34, prepare-se para acoplagem", dizia o auto-falante. A plataforma balançou um pouco, mas fora o pequeno susto, encaixa perfeita e os passageiros vão descendo.
O casal anda junto com a multidão. Ela é ligeiramente mais alta que ele, o salto, ele nota, é falso, holográfico. Ela não faz esforço para andar. Gravidade.
Eles pegam mais dois elevadores, ambos são de um gênero mais comum, um estreito tubo, em que ambos se imprensam com mais quatro ou cinco pessoas. Todos olham Gaia. O planeta se estende, imenso e esmeralda. Uma nova mãe, quilômetros abaixo desse ponto do elevador orbital.
- Meu coração está na goela.
- Você não devia ter comido aquela gororoba.
- Você nunca é grandiloquente quando eu preciso, não é, Gordo?
- Germano, relaxe. Você está ótima. Eles nunca vão perceber nada. Lembre, ele não quer sexo.
- E qualquer coisa, digo que tenho gonorreia?
O homem ri alto, dá uma tapa na bunda do amigo e entra numa passagem lateral.
O gordo começa a emagrecer, desinflando a camuflagem, pegando itens feitos de material biológico imitando órgãos humanos, escondidos como parte de si.
Seu braço tilinta. Ele olha para o rosto dela, incrédulo.
- Valéria?
- Oi, Gordo.
- Não pensei que você não ia mais me ligar.
- Nem eu.
- Olha, eu não posso falar com você agora.
- Eu quero continuar.
- Tem certeza?
- Tenho. Você é meu livro de cabeceira...
- ... O romance que eu sempre quis ler. É assim que me sinto a seu respeito também.
- Gordo, vem cá.
- Não posso. É o que estou fazendo é bem... Grave. Eu te ligo. Prometo.
- Eu quero devorar você.
- Não era eu o glutão? Mas tenho de ir.
- Me liga.
- Ligo. Até.
Ele desliga em dúvida. Não com respeito a ela. Não. mas tem medo que tenha gorado tudo. Tão supersticioso. Sempre, né? Buscando no horóscopo, antigo e novo, respostas para tudo.
- Nano Beat.
A música corre por dentro de sua roupa, que lhe arrepio os pelos dos braços enquanto se torna transparente. A voz suave, com uma batida bruta, rápida, combina e contrasta com o que está prestes a fazer. Primeiro, pega o que parecia um fígado e joga com força em uma parede.
Ele abre e uma gosma cor de cobre, começa a bloquear o corredor. Ele não tem muito tempo.
Seu braço tilinta.
- Oi, Paula!
- Gordo! Tudo bem?
- Tudo, Paulinha. Olha, tem como a gente conversar depois?
- Tem, gostoso. Passa aqui mais tarde?
- Passo. Beijos, tá?
- Gostoso! Tchau!
Ele pensa em desligar a comunicação, mas sabe que é muito arriscado. E se ela liga? Pega uma das granadas que parecem rins e gruda na parede, correndo para um espaço entre a explosão e a barreira que criou. A onda de choque faz seu corpo estalar e o joga na substância macia mas resistente. Em seguida, é puxado. Quase não tem tempo de lançar uma ventosa que o agarra a parede externa da estrutura. Devagar, usa o cabo para puxar a si de encontro ao elevador orbital.
Seu braço tilinta.
- Oi, Catarina.
- Oi, lindo. Quer me ver hoje?
Ele demora para responder, escalando com cuidado e vendo seu reflexo, os olhos perdidos no vácuo espacial, enquanto todo seu corpo está transparente.
- Eu não estou te ouvindo bem. Deve ser a tempestade de hawkings que tinha dado no alerta de ontem. Posso te ligar mais tarde? - Eu te ligo. Loguinho, loguinho. Beijos.
"Porque diabos ela não liga?"
Ele vai escalando e deslizando pelo plástico, uma película externa, lhe dá o efeito de uma geada. Ele para. Nesse ponto, pega o outro rim e se joga no espaço, fazendo uma pequena oração para que a ventosa se sustente. A explosão quase arranca a placa onde ela ficou presa, mas ele consegue se puxar para o painel entortado e se joga dentro da estrutura. Germano, seminu, segura-se na perna de uma mesa. O irmão do presidente, chora, sendo arrastado e lutando para não sair pelo buraco por onde entra o Gordo.
Os olhos ganham um corpo, que desde a roupa e a usa para tapar a passagem.
- Pegou algum germe?
- Não, mas tive sorte. Porque demorou tanto?
- Adoro sua gratidão. Pega isso.
Gordo joga uma peça biológica, dessa vez, convertida em arma.
- Eu dou o que vocês quiserem, meu irmão dá o que vocês quiserem, me deixem ir!
Eles ignoram o lamento e carregam o homem até um terminal fixo.
- Sua senha.
O homem olha horrorizado.
- Não! Nunca!
- Você pegou, Germano?
- Não exatamente, mas acho que sim. Acho que é um haicai.
- É?
A arma pressiona a garganta, que emite o mais débil assentir.
- É, é sim, veio todo agora!
A arma de Gordo atira três vezes, entre cada disparo, seu braço tilinta.
- Sempre pensei que você fosse um gatuno e não um assassino.
- Lutei na guerrilha, não lutei.
O braço tilinta.
- Agora?
- É, agora. Usa o haicai, vamos!
Germano fala apressado para o terminal, usando a voz do homem morto:
Longing raging fur
Past prime of mates lov'
Ape eye, crimson red
Gordo olha incrédulo, é ela.
- Oi, Laila.
- Eu disse que ia ligar.
- Eu sei que você disse.
- Mas não acreditou, não foi?
- Não. Não acreditei.
- Mas tantas não te ligam, Gordo?
- Mas só você importa.
Germano entra na sala, Gordo vem atrás, ainda falando com a imagem conjurada do braço. A luz laranja da orbe cintila sobre o rosto de ambos. Parece uma gema de ovo, flutuando no ar, um das mais poderosas IAs, tratada como um animal de estimação. Germano olha para ela e para Gordo, e no momento antes do disparo, Gordo reconhece na face do amigo, apenas a ganância.
- Gordo, você está aí?
No chão, é chutado enquanto Germano abre um buraco na parede.
- Mais ou menos.
Ele é arremessado para fora e mal tem tempo de fechar a veste. Ela conserta o buraco feito pelo projétil e ainda tem ar.
- Se quiser, posso ligar outra hora.
- Não, não. Eu preciso de você.
- Não, Gordo, não precisa. E é sobre isso que queria falar.
- Como assim?
- Eu não vou voltar.
Ele tenta, em vão, se agarrar a estrutura. Ele desliza, cada vez mais rápido, descendo pelo elevador da forma mais rápida possível.
- Gordo?
- Desculpa, eu estou um pouco distraído. Laila, eu não tive a intenção.
- Eu sei, eu entendo. Mas... Eu sou antiquada, sabe?
- Eu sei, eu agora sei.
- Não quero dividir ninguém.
- Eu estou disposto a largar todas. Quero você, Laila.
- Você faria mesmo isso, Gordo?
- Por você? Sim.
- Eu te amo.
- Eu sei. Eu só tenho um problema agora.
- O que houve?
- Gravidade.
E enquanto cai, se incendeia, ele tenta agarrar-se a instalação como a uma amante.

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