O homem-agulha olhou para o céu como que esperando uma resposta. Passou horas assim, mal parecia respirar. Não era incomum. Juin´yuet o observava enquanto fazia as tarefas na fazenda. À noite, o homem-agulha entrava e comia da ração que seu pai pedia que deixasse separada pra ele.
Não havia nada de bonito nele. Seu crânio alongado e fino pescoço eram quase do tamanho do comprimento do braço de Juin´yuet, que já era adulto fazia duas primaveras. Levava a ração ao pequeno orifício que lhe servia de boca, com longos e delicados dedos, segmentados em sete partes. Dois pares de olhos acompanhavam a comida, enquanto outros dois pares olhavam para Juin´yuet, espelhando suas curiosidade.
O homem-agulha era uma novidade na fazenda. Estavam com eles desde o último mormaço, apenas 3 semanas atrás. Juin´yuet, já os tinha visto antes, na cidade e na fazenda de Volsge, quando ia ver Redbllom, mas nunca durante tanto tempo, e vivendo e comendo com eles.
Juin´yuet desviou os olhos e voltou a comer. Seu pai e sua pequena irmã brincavam de quem iria comer mais. Com a morte da mãe, ela ficou muito triste e perdeu muito peso. Preocupado, seu pai começou a fazer brincadeiras assim e lhe dava toda a atenção que podia.
Basf´ehi se juntou a eles pouco depois, trazendo um prato da mesma comida que ele havia preparado para jantar, mas com um "tempero especial", que ele colocava apenas para si e nunca dividia com ninguém. Juin´yuet uma vez perguntou o que era, mas mesmo antes que o velho capataz lhe desse a resposta, viu o olhar de reprovação de seu pai. Mas Basf´ehi, com um sorriso zombeteiro, apenas disse que não poderia lhe falar até que eu pudesse caçar um Johhtoun. A ideia de um homem caçando um Johhtoun me pareceu tão ridícula que sorri e não o importunei mais.
A vida na fazenda era tranquila, mesmo exigindo muito trabalho. Basf´ehi, Juin´yuet e os outros homens acordavam cedo para recolher as meusblianes antes do sol nascer, ou perderiam a colheita. Eram colocadas em recipientes escuros, lacrados, e seguiam para vender na cidade ou para um dos lagos próximos se fosse vender em um dos outros mundos. Suas irmãs passavam o dia cantando. Juin´sien estava quase na idade do exame e Juin´uluan, mesmo nova, devia praticar desde cedo. Quando seu pai ia pra outro mundo, a fazenda ficava sob o mando de Basf´ehi, já que essas viagens levavam alguns dias. Juin´yuet nunca entrou num dos lagos, mas Juin´sien já havia viajado várias vezes e lhe contava as histórias dos outros mundos, seus povos, seus animais, suas plantas, suas cores e seus cantos.
O homem-agulha, diferente deles, tinha uma diferente rotina. Apesar de fazer suas refeições na mesma sala que eles, morava em outro local, um prédio longo, esguio, que parecia um silo de grãos, próximo da casa principal da fazenda, mas no lado oposto aonde eram criados os animais, que tinham medo da criatura. Ele parecia trabalhar quando bem entendesse, mas havia, sim, um ritmo, um ritual, que lhe ordenava as tarefas: o operar das máquinas de clima e o recém comprado escavador.
Rocha-Derretida fabricava e vendia escavadores que podiam ser operados por pessoas, mas nada se comparava aos usados pelos homens-agulha. E máquinas como a de controle do clima, só eram operadas por eles.
- Yuet-boon, Yuet-boon!
Um dia veio Juin´uluan lhe perguntar:
- Por que você mesmo ou papai, não cutucam a máquina do clima como o homem-agulha?
Antes que Juin´yuet pudesse responder, Basf´ehi andou apressado por trás da menina, lhe pegou pela cintura lhe levantando e a colocando no colo enquanto ele mesmo sentava ao lado de Juin´yuet, que estava estudando para os exames de verão.
- Seu irmão não é velho o suficiente para lhe contar isso, mas eu posso, eu estava lá!
Juin´yuet sorriu com a mentira de Basf´ehi e os olhos arregalados de Juin´uluan que agora parecia querer também perguntar qual a idade do velho capataz, mas ele começou a lhe responder antes que tivesse tempo de lançar mais uma pergunta:
- Já olhou pro céu, pequena Uluan? Já se perguntou como ele rachou? (vendo que a menina fazia sim com a cabeça, o velho continuou) Foram os homens-agulha! (Juin´uluan olhou agora para os lados, procurando com receio o homem-agulha) Não se assuste! Eles não fizeram por mal. Quando os deuses que nos fizeram vieram pra Belisen´Tur, eles precisaram de alguém para mudar o mundo por eles. Os deuses, Uluan, não podiam tocar as rochas ou mesmo respirar o ar! Eles eram refinados demais para isso! Do mesmo jeito que criaram a nós para cantar, fizeram os homens-agulha para manipular as máquinas que precisavam conseguir as coisas do mundo!
- É verdade, Yuet-boon?
- É sim, Uluan. Foi assim que minha professora disse.
- E as máquinas dos homens-agulha que foram criados pelos deuses, Uluan, os reconhecem como família. Se eu, voçê ou Yuet, tentarmos manipular o bicho-animal do clima, eles nos comem!
- É verdade, Yuet-boon?
- É sim, Uluan. Papai não disse para você não chegar perto de Jujuba?
- Disse sim, Yuet-boon!
- Foi por isso, pequena! - continuou Basf´ehi - Não devemos chegar perto de Jujuba ou qualquer goblinoso, por mais apetitoso que pareçam!
- Eeeeeca! - disse Juin´uluan, indo brincar em outro lugar enquanto Juin´yuet voltou a estudar e Basf´ehi seguiu para a cozinha, onde iria preparar a comida com os outros homens.
Distante da fazenda, o homem-agulha entrava em na Máquina do Clima, que a família de Juin´yuet nomeou de Jujuba há mais tempo do que seu próprio pai lembrava.
O longo corpo do homem agulha atravessava a outra criatura e manipulava controles biológicos que eram invisíveis aos olhos humanos, com seus dedos hábeis e disparos químicos.
O animal máquina, por sua vez, lançava microorganismos na atmosfera que iriam ser levados para o vento, e combinados às nuvens, as dispersariam, evitando chuvas fortes que poderiam prejudicar as meusblianes, de quem os homens extraiam um líquido hipersensível à luz ultravioleta e que servia como popular forma de combustível em boa parte dos mundos.
O homem agulha preferia estar com Jujuba a manipular a escavadeira. Esta era, de fato, uma máquina, criada por tecnologia esquecida milhares de anos atrás, quando o nono mundo jorrou revolta contra os anciãos.
Jujuba, para o homem-agulha, cheirava como cheiravam seus criadores. Especialmente quando eles, os homens-agulha, os mataram. Um cheiro doce e sexual, proibido e saboroso.
O antiquíssimo homem-agulha ficou mais um tempo dentro de Jujuba, apreciando as memórias da carnificina mais do que o longo tempo que se seguiu em que escavizaram os humanos, e então, escorreu pra foram na criatura gelatinosa para ir jantar com os animais barulhentos, seus irmãos.
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