March 03, 2012

Porta Aberta


O Fim.

Ele abre a porta e não há nada lá. Tudo foi embora. Até a luz, trêmula, parecendo indecisa entre ficar e ir. Ele não chora, mas seus olhos ameaçam.
Havia outra maneira? Ele acha que não.
Resignado e mudo, segue para o quarto. O cheiro dela ainda está no ar. O cheiro imaginário que ela deixou espalhado pelo apartamento, campo minado de arrependimento. Aqui no quarto, é mais forte.
Ele se senta na cama, pega a garrafa, cansado. Bebe.
Se ele pelo menos tivesse se calado. Se ele tivesse sentido menos...

Dois dias antes.

A porta bate com força. Ele entra. Ela, encurralada, não sabe como agir.
Suas mãos agarram seus braços com força.
Seu corpos se agarram com força.
E fazem amor, como nunca fizeram. Dois tornando-se um, com violência, carinho, amor.
- Eu sempre te amei.
Ela ri.
- Sempre, Arnaldo? Você era gay, Arnaldo!
Ambos riem.
- Nunca fui, Joana. Será que você nunca percebeu? Você evitava homens por conta de Andrei. E eu...eu te amo desde a primeira vez que te vi colando aqueles posters. De que eram mesmo?
- Espera Arnaldo. Você está me dizendo que durante dois anos, você mentiu pra mim?
- Isso importa agora? Você não me ama?
- Se isso importa??? Como vou amar...como vou amar quem mentiu pra mim por três anos, porra! Que mais você mentiu? Caracas! Você me manipulou esse tempo todo!
Ela se levanta. Ele tenta puxar ela de volta, mas com um safanão, ela se afasta.
- Te manipulei? Te manipulei? Você está falando sério?
- Claro que estou, CLARO QUE ESTOU! Me isolando das pessoas que amava, sempre tão atendo, se tornando meu único suporte. Não acredito, Arnaldo. Como fui cega!
Ela se veste apressada, ele tenta, mas não alcança Joana, que sai do apartamento.

Dois meses antes do fim.

O enterro podia ter sido rápido, mas a chuva atrapalhou.
A mãe de Joana morreu. Em Joana, o luto ainda não nasceu.
Ela olha fria, de chuva e espírito, para o corpo da mãe.
Arnaldo, lhe abraça por trás. Tão presente em sua vida, tornara-se um órgão vital, um amigo com quem podi contar, um ombro onde chorar, o ouvido que escuta.
Diferente dos outros, ele não sumiu quando ela mais precisou. Ele insistiu. Insistiu diante da saraivada de silêncio. Do jorro de promessas vazias. De chamejo de abandonos.
"ele me ama". O pensamento era claro na cabeça de Joana.
Como ela nunca percebeu isso antes, é algo confuso. Ela nunca o viu com homens, mas ele falava de seus namorados. De suas desilusões. De como nao conseguia ficar com ninguém por muito tempo. Seria mentira?
- Arnaldo...você já mentiu para mim?
Ele olha pra ela, ainda com olhos vermelhos, pois adorava a mãe de Joana e diz, com voz cansada.
- Só quando preciso te protejer de si mesma, Joana.
Ela se solta de seu abraço. Na chuva, o cemitério agora está vazia. Só os amantes e os corpos.
- Eu não quero um anjo ou um pai. Eu quero um amigo. Não mente mais pra mim, tá? Me abraça, por favor.
E ele a carrega nos braços, para o carro.

Dois anos antes

- Você gosta mesmo disso?
Ela pergunta, atenta ao que estava fazendo.
- Gosto sim, e você é ótima nisso, Joana.
Ele sorri.
- Obrigada.
Ela diz, deixando de lado o grafite e o caderno.
- Obrigada, pelo que, linda?
- Pelo teu apoio. Você tem sido muito legal.
- Linda, você me ajudou a respeito de Ricardo, não foi? Então? Uma mão lava a outra. Quer sair hoje?
- Só se você pagar.
- Só se você me dever.
Eles sorriem e andam abraçados.

Dois minutos depois

- Arnaldo, você taí? Desculpa.
Ela entra pela porta escancarrada.
- Arnaldo, desculpa. Eu estava lá embaixo no meu carro, te esperando. Acho que você não me viu por causa da chuva.
Ela se apressa, pelo corredor.
- Arnaldo, eu te amo. Me desculpa.
Ela encontra o corpo.

1 comment:

Eduardo Simões Fernandes said...

Os diálogos estão cada vez melhores, as relações cada vez mais estranhas, e o final, não sei se gostei do final.