April 25, 2012

Antes só


- Como você consegue viver bem nessa cidade?
- Como Assim?
- Recife é muito quente.
- Minha família é do interior da Paraíba. Evoluímos ao ponto de sermos capazes de resistir até mesmo ao fogo do inferno. Recife eu acho até refrescante. Mas vem cá, Samuel, você viajou pra cá para falar do tempo?
- Eu preciso que você mande uma mensagem para alguém.
- Samuel, já ouviu falar de email?
- Já, Ismael. Mas não é esse tipo de mensagem.
- Eu imaginei. Só preferia que fosse, sim, esse tipo de mensagem.
- Bem, não é. E ouvi falar bem de seu trabalho. Nunca imaginei que você fizesse algo do gênero.
- Sério?
- Sério. Claro, você tem essa cara, é um sujeito que parece durão e tal, mas isso? Não.
- Eu sou um homem de múltiplos talentos.
- Foi o que me disseram. Então, pode fazer o serviço?
- Não faço mais essas coisas. Estou velho e encontrei Jesus.
- Você também?
- Também. Ele é um sujeito popular esses dias.
- Ninguém que não esteja no inferno.
- Assim você não torna minha vida fácil, Ismael.
- Essa nunca foi minha intenção. Bem, até que ponto você quer chegar para conseguir sua vingança, ou sei lá o quê?
- Não é vingança.
- Então, o que é, Samuel?
- Preciso proteger alguém.
- Alguém ainda se preocupa com isso?
- Eu me preocupo.
- Bem, se é por uma boa causa...
- É, é sim. O homem que quero proteger é um pai de família dedicado e seus negócios alimentam várias outras famílias.
- Um empresário.
- Sim, algum problema?
- Nâo. Hoje não.
- Quando você pode fazer o serviço?
- Essa noite.
- Ótimo. O que vai querer por isso?
- Seu primogênito?
- HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAH
- AHAHAHAHAHAHHAAHHAHAA
- Essa piada nunca perde a graça!
- Não é? Mas falando sério, eu quero o pingente.
- O Pingen...
- Sim.
- Tem certeza, Ismael?
- Sim.
- Faça isso e o pingente é seu.
- Feito. Pego com você depois de entregar a mensagem.
- Feito.
- Até, Samuel.
- Até.

A casa é pequena. Um casal, sua menina de menos de um ano. É perfeito.
Eu entro sem fazer barulho.
Portas nunca foram um obstáculo.
A criança ainda dorme em um berço, no quarto dos pais.
Quando os pais acordam, eles já estão amarrados e amordaçados.
A criança dorme em meus braços.
Tirei o berço dali.
No lugar, uma churrasqueira.
Faço os pais olharem enqquanto mato a criança, corto ela em tiras, passo na churrasqueira e lentamente a devoro.
Eles tentam gritar, se libertar, durante todo o processo. A mulher mata-se atirando sua cabeça contra a parede várias vezes.
Só torna o homem, Jorge, mais desesperado, com punhos cortados de tanto brigar com a corda, olhos doloridos de tanto chorar, garganta gasta de gritar em vão.
Quando termino, cinicamente, sorrio.
Me levanto, vou até Jorge e o acordo.
O bebê dorme no berço. A mulher, ao seu lado.
Ele acorda e tenta me atacar, mas o domino e mostro, criança e mulher.
Sussuro o nome do homem. Sussuro que ele não deve ser incomodado. Sussuro que, se ele o for, eu volto.
Ele chora. Ainda em pesar pela morte das duas, que estão vivas, mas concorda.
Me levanto da cama onde me sentei enquanto conversávamos e saio da casa.

- É isso?
- É isso.
- Aqui.
- Obrigado.
- Sabe que não vou poder...
- Sei. É um adeus.
- Você acha que lhe usei.
- Você sempre me usou.
- Bem, agora você está livre de mim.
- Sim. Adeus.

Ele aperta o pingente e o destrói. Samuel some. Do pingente só resta a foto da menina. A foto é velha, em preto e branco. A noite não se torna mais quente quando o último laço é quebrado. Quando nega, finalmente, seus serviços de mensageiro. Mas ele sabe que está no inferno. A cidade não muda. Não há mais chamas que antes. O calor é o mesmo. A escuridão também. Mas ele sabe que está no inferno. Pois sente a dor da perda dela. Da foto. Da mulher da foto.
E o anjo caminha pelas ruas escuras.
Sem esperança de que ninguém o guarde.
Essa noite.
Ou na próxima.

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