April 28, 2012
As Tavernas
O carro bate na árvore sem fazer barulho.
Ou não escuto o som porque estou surdo.
Minha cabeça bate no vidro que tudo fica confuso.
A visão dupla não ajuda.
Nem o vômito.
Lá se vai o Whisky.
Ninguém aparece.
Com cuidado, pego o celular
- Milena?
- Alô
- Milena, sou eu, Ed.
- Alô?
- MILENA, TÁ ME OUVINDO?
Ligo de novo.
- Milena?
- Oi Ed. VocÊ sabe que horas são?
- Não, não sei. Olha eu...
- Eu trabalho amanhã...
- Sofri um acidente de carro!
- Ed? Acidente?
- Sim. Acidente de carro. Bati...bati numa árvore.
- Aonde? Você está bem?
- Na Manoel Borba. Não sei bem aonde.
- Olha, vou chamar o Samu.
- Não desliga, Milena.
- Eu ligo do outro celular, peraí.
Ninguém aparece.
Passa um carro ou outro, mas sequer diminuem.
Foi aonde? No Downtown?
Tamires me jogou bebida na cara. Vodka, acho.
Marquei bobeira e ela não é cega.
Bem que podia ser, uma vez ou outra.
Peguei mais uma long neck e saí.
Troquei de camisa no carro.
Fui pra festa de Carlos.
- Milena?
- Eu to indo praí.
- Não, não, vem não.
- O Samu ja chegou?
- Não.
- Então, to indo.
- Não poxa, não vem to te dizendo. Eu to bem.
- Você está bêbado, Ed.
- Não vem, tá tarde, imagina se acontece alguma coisa contigo.
- Ed, to indo praí.
- Não, espera. Tem uma coisa que não contei.
O apartamento dele tá uma zona.
A festa tá uma zona.
Bebo o resto da vodka.
Um coquetel louco lá.
Cachaça doce.
A galega chega mansinho.
Brigou com o namorado.
A gente nem conversa, só se agarra.
A festa vai, a festa vem.
A gente sai.
A gente fode no banco do carro e ela fica lá.
Ficou lá.
- Você o que?
- Eu tava com uma menina no carro?
- Eu ouvi da primeira vez, Ed. Que merda.
- Ela é, ela é a namorada de um amigo meu.
- E que merda ela está fazendo no teu carro?
- Pediu carona e eu dei, Milena.
- VocÊ tá mentindo. Que merda, Ed. Você sempre faz essas coisas.
- Não acredito que você vai brigar comigo agora, Milena.
- Não, vou não, foda-se, Ed.
Se aparecem, não vejo.
Acordo num hospital. Um lugar comum.
As caras conhecidas.
Meus colegas. Ex-colegas. Muitos aqui me odeiam.
"Alcoolatra"."Irresponsável"."Assassino".
E como se eu pudesse ler suas mentes, bastando olhar nos olhos deles.
A menina está bem.
Essa menina.
Eu fico bem.
Recebo alta.
Só alguns pontos.
Só.
Milena me liga depois.
Pede desculpas.
Tamires liga depois.
Pede desculpas.
Nenhuma me visitou no hospital, mas como assim mesmo.
Bêbado.
Sempre bêbado.
Entre uma e outra eu corro.
Procurando a árvore. Meu Moby Dick.
- Oi meu filho.
- Oi pai.
- Está melhor?
- Não.
- Continua bebendo?
- Sim.
- Ed, isso não resolve nada.
- Não há o que resolver, pai.
Eu acho ela.
A mesma árvore.
Não a mesma, mas a mesma.
A menina entra na sala de cirurgia as 02:04:27.
Matei ela mais rápido do que demoraria para somar esses números.
Matei ela com um copo. E mato ela mais todo dia.
Não perdi a licença.
Não perdi nada.
Paro junto da árvore, bebo.
Sento entre ela e o carro.
Eu não choro.
Eu não sinto mais nada.
Bebo a garrafa toda.
Volto pro carro. Dou ré.
O carro bate na árvore fazendo um barulho ensurdecedor.
O airbag funciona, meu corpo dói.
Cambaleio para fora do carro.
O pessoal do bar me olha.
Eu olho de volta.
Verifico se minha carteira tem dinheiro.
Tem.
E vou beber.
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