May 02, 2012

Cordas


Sente seu toque e sua estrutura vibra.
Murmura um canto suave e triste.
A carne de seu pescoço, o suor doce.
Ela é quente, mais que qualquer verão.
A música cresce, mais instrumentos se juntam.
Vozes.
Homens.
Um coro.
A música continua. Mas eu, não.
Ela me deixa solto, ao lado de seu corpo.
Após toda apresentação, e essa não é exceção, ela me beija.
A caixa escura me espera.
Uma tumba para onde retorno, longe de seu calor.

Ele me tira da caixa, me pouca na mesa.
Desliza suas mãos pelas cordas.
Eu escuto vozes. Há mais alguém.

- É um instrumento belo, Marisa. Quer mesmo se desfazer dele? - Sim, Raul. Vou hoje mesmo pegar um que encomendei. - Hummm... - Não apenas bonito, mas seu som é ótimo. - Eu já te ouvi tocando. - Bem, vai levar? - Vou.
O toque é áspero. Delicado, para um homem, mas áspero.
O que há? Ela nunca deixa que me toquem.
Sou colocado na caixa.
E não sinto mais seu perfume.

Os dias se passam e raramente saio da caixa.
Não sinto o sol. Apenas uma luz pífia.
Ela me esqueceu. Me trocou por outro.
Assim é o mundo, acho. Tudo que envelhece, perde seu valor.
O amor não resiste ao tempo. A lealdade nunca é paga a contento.
Enfim, é aguardo o fim.

Ela me toca depois de um longo esquecimento.
Não desperto de todo.
Minhas cordas, gastas, precisam ser trocadas.
Ela logo o faz.
Viva, tão viva.
Mãos, quase de criança.
Há então, esperança.
Um objeto velho, jogado, nunca lembrado.
Passar a ser vital, me torno, novamente, sentimental.
Derramo música.
Meu canto é jovem, alegre e rápido.
Velhas cordas que suportam um mundo.
Que sente seu toque, e feliz, vibra.

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