May 01, 2012

Zvirx


A lâmina, pousada na pia, sangra.
Ele olha para si no espelho.
Homem ou máquina?
Sua pele, rasgada em uma ferida cruciforme, denuncia o que parece ser sua humanidade.
Exibe, através do corte, carne, sangue, músculos, ossos...
Mas é tudo falso.
Ele sabe.
Seu corpo se comporta como real.
Cada célula, articial, fora assim, desenhada.
Mas ele sabe.
Zvrix, o sacerdote, lhe veio em sonhos.
Em sinais sutis.
No re-arranjar de palavras.
Em sons que se destacam de outros, distraídos.
Talvez estivesse louco, um dia pensou.
Mas isso se foi. Toda a dúvida se foi, levada pelas águas.
O carro imitou pião e aparafusando-se ao rio, me levou para o fundo.
Senti suas mãos me puxarem.
Zvirx. Pálido e eterno, sua voz, um encanto do futuro.
Carregou-me para fora do frio.
Delicado e forte, arrastou-me para a luz.
De volta para a vida.
Que vida?
Uma vida cinza e inútil.
Mas com um propósito.
Deixaria de ser um homem só.
Deixaria de ser um homem sem filhos.
Deixaria de ser um homem com emprego monótono.
Voltaria de onde vim.
Da cidade das luzes.
Do futuro inevitável e inegável.
Cumprir finalmente a missão que esqueci.
Culpa de minha mãe.
Ela renegou meu legado.
Afastou meu pai para que ele não dissesse.
No espelho, vejo a verdade.
Sinto o brilho do futuro em meu sangue.
As nano-máquinas que me tornam imortal, apenas imitam em meus olhos, pele, cabelos, os sinais esperados da velhice.
Zvirx me mostra como fazer a bomba.
Ele me indica os sites, os livros.
Agora entendo a razão de meu emprego.
Estou infiltrado.
Preparado.
A tensão, o estresse que me estalava os nervos, não era nada que não, isso.
A ansiedade para cometer um ato de verdade.
Eu levo a bomba em minha bolsa.
Pequena, poderá explodir todo o prédio.
Prédio e pessoas, que não irão mais me ignorar.
Todos morrerão.
Exceto eu.
Irei me regenerar, sobreviver.
Os meus colegas me olham estranho.
Alguns fazem comentários sobre minhas ataduras, cobrindo a face em recontrução.
Eu monto a bomba no banheiro.
Ela é linda.
Zvirx me ensinou a montar ela minuciosamente. Ponto a ponto.
Eu a coloco dentro de um lixeiro.
Saio do banheiro e vou para meu cubículo.
Espero.
Espero.
Espero.
Não posso ficar temeroso. O nervosismo ruirá minhas defesas.
Ele vai até o banheiro, nervoso.
Ele vê que a bomba falhou.
Como? Pergunta a si mesmo.
Ele parece ouvir a voz de Zvirx uma última vez.
"Me sinto andróide", pensa.
E morre. A explosão veio de outro ponto do prédio.
Levando a máquina, com sua indecisão de homem.

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