May 04, 2012

Desumanos


Ele olhou para o papel onde estava seu nome e pensou "fudeu".
Sim, ele pensou isso.
Tão avesso aos seus próprios pensamentos, quanto avessa era a foto e o crime.
Aquilo não era ele.
Não podia ser ele.
E era.
Como fora tão descuidado?
Ele aceitou o presente, sorrindo.
Um sorriso de culpa, estampado em uma página de jornal.
E agora, o que fazer?
Mornvs. Vou ligar para ele.
- Por favor, queria falar com Rafael.
- Quem deseja?
- Harhsi.
Click.
"Fudeu", penso.
Ouço carros voando ao redor do prédio.
Desço rápido as escadas, abro a porta para rua.
Flashes disparam no meu rosto, me fazem brilhar numa palidez instantânea e impossível.
Minha imagem em 3D ilumina os céus.
"O homem que vendeu sua raça", se lê nos letreiros.
Eu tento abrir a boa, mas objetos são jogados contra mim.
Fecho a porta sem esperanças.
"Irão demolir a casa comigo dentro."
Não demora, e parece ser exatamente isso que fazem.
A polícia se divide. Uns querem me levar em segurança, outros para a cadeira, outros juntm-se a turba.
O caos é total.
Meu fone registra chamadas de todos os lugares e a IA diz que sua capacidade de processamento já está ignorando metade das chamadas.
Vou me suicidar.
É melhor que ser esquartejado pela turba.
Então eu escuto.
O silêncio.
Lá fora, vejo os carros flutuarem para longe, seus motores desligados.
Eles descem. Eles não tem nome. Eles apenas descem e ocupam a rua que foi desocupada pelo seu campo.
O prédio estremece um pouco.
Eles cantam em risadas. Estão me dizendo para sair.
Eu, só um medíocre membro menor da embaixada.
Sendo visitado em casa por Eles.
"Será que vão me esquartejar duas vezes por isso?", penso, sem vontade de viver.
Os alienígenas tem cuidado de não pisar em mim e me levam até a pequena bolha, onde, através de seus instrumentos, podemos nos comunicar.
- Olá.
- Como vai, Harhsijank´rdyf?
- Eu estou bem. Acho.
- Entendemos que o presente que lhe demos gerou uma grande comoção. Pedimos desculpas.
- Não, por favor. Não se preocupem.
- Então, ficamos em débito pessoal com você.
- Não, não, não...eu. Vejam, vocês entendem o que está havendo aqui?
- Sim, perfeitamente.
- S-sim?
- Sim, claro. Contamos com isso.
- Por favor, me esclareçam.
- Foi ideia de Mornvs. Ele queria medir o grau de rejeição de seu povo, mas parece que não queria expor a si mesmo...
- Ele é brilhante, não?
- Acho que sim.
Nessa hora, o alienígena emite sons fortes, diferentes de sua voz e quase faz cair a bolha.
- Desculpe. Mas essas artimanhas, mesmo em um planeta tão diatante da Terra, são engraçadas.
- Não há de quê.
- Vamos embora, Harhsi.
- Mas, porque?
- Não queremos criar um incidente maior. Seu planeta está quase em pé de guerra por conta de um presente. Permanecer aqui parece que apenas irá piorar as coisas.
- Como...como vocês resolveram isso de onde vieram?
- Harhsi, não foi fácil.
- Mas como foi?
- As nossas últimas guerras vieram com o pretexto de eliminar "crimes históricos", que as gerações envolvidas nada tinham haver. Quando as guerras enfim acabaram, havia muito pouco o que se reclamar. Isso deu as pesssoas uma nova perspectiva. Infelizmente, quando não se havia mais pelo que lutar, se percebram, finalmente, pessoas, a despeito de cor, nacionalidade, religião, ideologia política. Entenderam que, ser humano, deve transcender isso tudo. E assim, transcendemos. Em poucas gerações reconquistamos, através de ciências humanas e técnicas, o que julgávamos perdido. E logo as estrelas também eram nossas. Vocês são o quinto povo com que nos encontramos.
- E os outros, estão em melhor estado que nós?
- Hoje, sim.
- Vocês os ajudaram?
- Sim.
- Como?
- Através da discórdia, Harhsi. Você, assim como uma pessoa eleita em cada um desses povos, é um bode expiatório. Um ponto fulcral da inveja, ódio, de todos. De acordo com nossos cálculos, podemos evitar um dano maior se partirmos logo, mas haverá sim guerras e mortes, infelizmente.
- Vocês são monstros!
- Não. Vocês são. Mas irão aprender a amar uns aos outros, pois só quando se perde algo tão caro é que se entende o que perdeu, Harhsi.
- Estou desolado.
- Sentimos muito. Queremos lhe oferecer asilo conosco. Venha conhecer os outros povos e ajudá-los, se quiser e depois ajudar a reconstruir também seu mundo.
- Não estaria me tornando ainda um traidor maior?
- Não traidores entre as bestas, Harhsi.
Eu me vejo concordando e subindo em uma pequena plataforma de luz.
Indo para as estrelas.
Do céu, vejo as primeiras bombas explodindo...

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