May 27, 2012

Domingo


Recife, 2011

A igreja. Seu silêncio de oração perturbava o sono dos mortos.
Pelo menos dos outros.
Ele...ele gostava de lá.
André costumava andar a noite.
Um hábito de assombrações, ele dizia.
Em especial, em dias mergulhados no tédio, como todo domingo, que é o morto-vivo da semana, ele passeava nos cemitérios.
Não durante o dia, nunca. Muita gente, muito barulho. Os mortos, que não costumavam ir para lá, eram carregados pelo pranto dos vivos.
E as igrejas, para os que não pranteavam, ficavam, a noite, após as missas, envolta em um silêncio perturbador.
E de noite, aos domingos, o cemitério estava cheio das aulas que nunca se preocupavam em visitá-los durante a semana.
No ocioso caminhar de quem não vive, André visita pelo menos dois: O Cemitério da Várzea e o de Santo Amaro.
Na Várzea, para ao vigia e entra, sem fazer muito barulho.
E observa, as vezes sorrindo, as brincadeiras dos mortos, sua ciranda. As vezes, um forró.
Não há pompa nessa terra fofa, lugar de ervas daninhas e musgo.
Alguns fantasmas mais antigos balançam a cabeça ou acenam quando me veem.
Ninguém fala comigo.
São desconfiados, os mortos.
Um bom hábito. Quem sabe, carrego uma palíndrome. O captura, lhe descubre seus segredos, por menores que seja, e o escraviza. Quem deseja tal destino, ainda mais depois de morto?
De lá, vai para Santo Amaro.
André pega o último ônibus. Os vivos, ele nota, se distinguem dos mortos por muito pouco.
Um respirar aqui, outro ali.
Um coração que bate ou repica.
Em Santo Amaro se houve de tudo. Valsa, rock, MPB.
Poetas em saraus intermináveis.
É uma cacofonia que, muitas vezes, espantam os gatos do local.
O vigia também o ignora.
Trabalhe um pouco em um cemitério e logo torna-se claro quem está vivo ou não.
André pertence mais a esses muros que fora deles.
Mas ele deixa a preguiça se escorrer, esse lento engano de domingo, e vai falar com um dos mortos.
- Passos?
- Fantasma. O que queres?
- Vim atrás da Perna.
- Aquilo se foi.
- Entendo...
- Desculpe.
- Não se preocupe, eu entendo.
O morto sai do cemitério cabisbaixo e sem pressa algum.
Afinal, é domingo.
Dia de coisas mortas.
E de coisas que ele sabe, precisa matar melhor da próxima vez.

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