May 28, 2012

Trapaça


Um dia, não há mais noite. O Sol fica, como que pendurado por um barbante que não move. A mão de quem quer que o segure, sol a sol, esqueceu de, hoje, guardar ele no mar.
E ela? Ela olha com medo, de uma estrela que não faz o que estrela deve fazer.
Chama a mãe, que não vai.
Com mais medo que ela, se esconde na casa, como se as paredes pudessem render o astro se este desejar ter com ela.
Então, subtamente, o tempo volta.
A folha, que a menina estava prestes a apanhar no ar, desliza.
Cai nos pés do homem que não estava lá.
E lhe diz: "olá".
Ela o olha e quase grita, mas ele, calmo, levanta os dedos aos lábios.
- Shhh...
Suas roupas são estranhas. Ele tem e não tem roupas, é como se sua pele fosse prateada abaixo da cabeça.
Ela olha com receio, mas sente que ele não quer lhe fazer mal.
- Quem é você?
- O Sol.
- O Sol?
Ele sorri diante do espanto da menina.
- Sim. Agora, me apresente a sua mãe.
A menina corre para a mãe e a puxa pela roupa até que ela veja o estranho.
Ela olha espantada, mas não corre.
- Quer comer algo, estranho?
- Sim, não lhe recusarei.
Eles vão para a casa onde a mãe havia acabado de preparar o jantar.
O estranho senta e mal esconde o sorriso enquanto olha para mãe e filha.
- Cheira bem.
- Está gostosa.
A mãe prova a primeira colheirada do saldo grosso e cinza, ainda fumegante.
A menina senta e pega uma colher, mas a mãe diz que não com a cabeça.
- Está bem educada.
- Sim, está. Vai levá-la?
A menina olha para a mãe com medo.
- Decidirei logo.
E come o caldo.
O estranho cai, fumegante tanto quando o saldo, gritando, fazendo caretas de dor inimaginável.
Mãe e filha se abraçam.
Lá fora, cai a noite.
O estranho morre.
A mãe suspira aliviada.
- Ana, você é minha, não vou ter de lhe dar para eles, ninguém mais vai!
Sorri, abraça a filha, chora.
É quando houve os gritos.
Lá fora, o mundo parece feito de dor e horror.
Seus vizinhos, a vila toda, grita de dor.
Sua filha, ela olha, parece bem. Ela também.
E ele invade a casa.
- Obrigado.
E no meio do rosto feito de trevas e fumaça, ela vê, pela primeira vez, seus dentes.
- Eu matei seu inimigo. Lhe dei a sopa, como ensinado. Me deixe em paz.
A mulher cobra.
O sorriso da coisa se alarga.
- Porque, animal, acredita que eu a deixava, antes, em paz?
Primeiro, ele come a menina.
E seu sorriso, sempre se alarga.

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