May 21, 2012

Marreal


O sol e a cerveja se misturam a areia. O homem abre a mão, e a lata, cai, desliza, atingindo o chão e rolando alguns centímetros antes de parar junto de seu chinelo. O homem não respira, ou assim, parece perecer.
O sol mergulha no mar e a cerveja segue a lua no céu. Os pombos cercam o homem como uma corte, abandonando seu corpo frio quando a escuridão gela.
Para o homem, só resta o mar, que lento, mas seguro, lhe devora.
A noite continua, mesmo quando surge o sol. Seu corpo se arrasta pelo fundo do mar.
Um submarino para os caranguejos que o habitam, que não o guiam, apenas o caroneiam no correr das correntes.
Peixes lhe adornam o corpo como roupas de escamas, brilhando na pouca luz que passa, um príncipe das algas, senhor de todo plâncton, homem de areia.
Ele gira, longe da superfície, preso na órbita dos corais, pintado por tinteiros, beliscado, num gesto de amor, por moreias assanhadas.

O homem abre, enfim, os olhos. Se vê morto, respira e cospe o sal de dias dormindo sob as águas. PEga o celular que não funciona e liga pra esposa que chora de saudades.
Ele não lhe diz nada, mas ela sente seu cheiro de mar e se anima. Ele voltará.
O homem se deixa levar até o tubarão que o aguarda e que, sem licença, lhe roubou o pé na madrugada.
Confabulam.
Acórdão.
O homem lhe deixa sua camisa de peixes e pega seu pé de volta e nada, sem esforço nem pressa, para a praia.
O sol, que se deita sem ferver a água, ainda o saúda.
Companheiros plenos de um mundo sem começo e de fim marcado.
A praia desabriga muitos, que buscam em sua areia uma solitária guarida.
Com fome, o homem devora um pombo, que mordido, agradece o descanso.

Ele segue pela avenida, nu, exceto pelos peixes que vão morrendo e caindo pelo caminho.
Acompanhado pelo cheiro do oceano, busca nele uma armadilha para a fumaça, dos carros que lhe batem em revelia.
Mas carros, são carros e obedecem aos cavalos que lhe dirigem.
Sua casa é longe da água.
Sob a torre sem razão, sufocado, sentindo exaustão, ainda azul ou verde dos dias mortos em que ficou, pega o elevador que o leva.
A mulher abre a porta em desespero, grita de saudades e fome, lhe arrancando das pernas um peixe.
O cheiro de fritura enche a casa, longe do lar, e toma banho então, guardando os peixes e um caranguejo que vomita para um outro dia.
Ensaboado, come, também faminto. A esposa lhe reservou a espinha e escamas, seus preferidos.
Saciado, dorme na varanda, tentando, em vão, sentir o cheiro do mar.

3 comments:

Tati Móes said...
This comment has been removed by the author.
Tati Móes said...

"haroudo, vc precisa parar com as drogas"

Haroudo Xavier said...

A única "droga" que "tomo" é escrever. E vodka, tinha esquecido dela. :)
E continuo tomando seu comentário como um elogio. :)