- Repito: A Cidade dos Rios caiu.
E ele repetiu mais de mil vezes durante os 5 dias seguintes.
Morein estava cansado, mas não dormiu nas últimas 48 horas.
Não podia dormir. "Inimigos nos portões", ele pensava, lembrando uma citação perdida.
Tudo estava ainda confuso. Ele já estivera presente em outros conflitos, mas em nenhum deles, os arianos deixaram de proclamar sua vitória ou derrota, e desde a instituição dos zodíacos, ele não sabia de sequer um ataque em que toda uma cidade fora destruída. Ele só poderia concluir o que já concluira antes, mas que temia que fosse realidade, que uma nova força surgiu no mundo, um exército que não era formado por arianos, um exército sem compaixão, um exército de extermínio.
Mas quem queria isso? Porque?
Ele pensava nessas questões a todo momento, sem uma resposta plausível.
Não conseguia sair de perto do rápido, e desenvolveu uma forma de arrastá-lo até mesmo para perto do banheiro.
A estação de rádio, na verdade, fora atacada nas primeiras 24 horas após a destruição da Cidade dos Rios, mas ele sempre manteve uma estação auxiliar, justamente para situações do tipo.
Uma coisa era destruir cidades, que nunca aconteceu na História recente, outra é haver guerras, conflitos entre as cidades-estado e uma mudança quase que contante de território.
"O esporte nacional, é a guerra", pensou ele a respeito da Confederação e as cidades-estado não aliadas. E havia muita verdade nisso.
Os conflitos se tornaram tão corriqueiros, que assumiram um caráter cada vez menor de guerra e uma disputa, se não amigável, mas atreladas a uma enorme quantidade de regras e costumes que tornavam os participantes, dentro de sua animosidade, amistosos.
Como todo geminiano, Morein era incansável em seu paralelismo. "Dois homens em um só", costumava dizer seu pai, "Então trabalhe por dois", e lhe dava várias tarefas ao meso tempo, coisa da qual nunca reclamou.
Sendo assim, escrevia um livro sobre o conflito, que ainda não sabia do que lados estavam envolvidos, chacava e transmitia informações pelo rápido, e fazia planos e mais planos, de fuga, contra-ataque, etc. Talvez os arianos fossem rir de suas ideais, ele sabia, mas ele sem mantinha ocupado e isso era o que importava.
Mas a comida já estava ficando escassa e temia sair de seu esconderijo.
Foi quando ouviu alguém entrar na estação, dias após dela ter sido destruída pelos homens em armaduras prateadas.
Pela pequena câmera, Morein acompanhava o homem. Ele estava vestido com uma das armaduras, mas havia algo de estranho nele, ou melhor, algo de familiar.
Então ele começou a vasculhar a sala, a sala onde não havia nada a ser vasculhado.
Só a porta que dava para o túnel.
- Olá.
Morein se ouviu dizer, mais por medo que por cálculo. Ele não tinha muita alternativa.
Um som abafado saiu da armadura.
Então, o homem retirou a parte superior e Morein notou que não era uma armadura, mas uma espécie de tecido metalizado.
E o homem era ariano.
- Olá. Felara me disse que posso confiar em você.
"Felara? Aqui?", pensou Morein. Ele lembrava da Taurina e do filho de ambos. O menino os unira por um tempo, mas só. Gêmeos e Touro? Não.
- Ótimo, mas ela não me disse nada sobre você.
- Não tinha como. Meu comunicador quebrou. Preciso de sua ajuda para enviar um relatório sobre o que está havendo.
- Para quem? Para quem você trabalha?
- Uma célula rebelde.
Uma célula rebelde. Para Morein, isso dizia muito e tão pouco. As pessoas eram livres para deixar o zodíaco e os faziam por muitas razões diferentes, mas não recebiam auxílio do resto da sociedade, que por maiores que fossem as divergências políticas, se mantinha forte em suporte ao sistema social implantado séculos atrás. Uma célula rebelde podia ter quaisquer ideologias imagináveis, podiam ser desde de tebaranos até natários e paulinos. Religiões, cultos, grupos radicais sugiam entre as células com facilidade. Porém, por experiência própria, sabia que a maioria era, antes de tudo, humanista. Muitas vezes as células exerciam uma malha de auxílio as vítimas das guerras entre a Confederação e Cidades-Estado e entre aquelas nos quais as próprias Cidades-Estado infrigiam umas as outras.
E o ariano precisava de auxílio, isso era verdade. Ele já vira arianos feridos assim antes, e a maior parte deles, sobrevivia. Era mais um perícia que uma qualidade, aprendidendo a sobreviver através de sua força de vontade nos campos insanos de treinamento do zodíaco.
Silas, se esse era mesmo seu nome (mas arianos raramente mentem, apesar de não terem escrúpulo algum em omitir), estava ferido, exausto e doente. Ele não sobreviveria sem um local para descançar, água, comida e alguém que trata-se seus ferimentos.
E ele mencionou Felara.
- Entre.
Ele estava cuidando de Silas já por dois dias e se espantava com a forma como ele se recuperava. Não foi fácil no começo, mas o ariano trouxera consigo mantimentos, pouca coisa, mas aliviava seus próprios problemas.
Hoje, um deles teria de sair e trazer algo. Ele sabia pelo rádio que haviam muitas patrulhas. Outras cidades haviam sido atacadas pelos Antigos e a Confederação já havia enviado tropas para áreas periféricas. Não ia tardar e estariam em uma zona de guerra como não vista em anos.
- Precisamos de comida e água.
- Eu sei.
- Tem condições de ir?
- Claro.
Ele não gostava de Silas. Ele não gostava de arianos em geral e de Silas em particular.
O orgulho tolo e cego, a incapacidade de se entender incapaz, poderiam acabar matando ambos.
Ainda assim, ele não sabia manejar uma arma. Silas, sim, e aparentemente, muito bem.
- Use isso.
Morein entregou o headset e mostrou seu rádio.
- Vamos nos manter em contato. Apesar de não aparentar, há mais refugiados na cidade com comunicadores, rádios e receptores, eles podem nos auxiliar de alguma forma.
E ele esperava que sim. Todos estavam com medo de sair de seus esconderijos, mas a comunicação era contante e através dela, Morein sabia onde estavam as três patrulhas desse horário de início da manhã.
- Está bem. Eu vou agora.
O caboclo se levantou cambaleando um pouco. Checou suas armas, tanto a luz e chamas e de projéteis. Colocou a roupa metalizada, mas invertida, o lado interno, escuro, servindo de uma grosseira camuflagem.
E ele saiu.
Quando voltou, trazia água, comida, e aparentava estar exausto. Ele sabia que ele se movera rápido, evitando as patrulhas e indo em cinco casas de Igara. O headset foi essencial em alguns momentos e talvez tenha lhe salvado a vida. O ariano agradeceu do seu jeito, fazendo um curto gesto com a cabeça.
- Eu vou levá-lo hoje.
Ele estava falando de uma segunda estação. Lá, onde havia um sistema de rádio mais poderoso, tentaria entrar em contato com a célula de Silas.
Eles passaram o dia planejando, se prepararam e saíram ao anoitecer.
A ponte para a Ilha da Pedra do Mar estava sendo vigiada e tivemos de nadar até lá.
Perto da margem, ouvi tiros.
As balas batiam na água, e eu continuava nadando.
Tarde demais, percebi que tinha sido atingido.
O sangue e água eram negros, sem luz de luar que lhes desse cor.
Tentei gritar, mas não consegui.
O ariano ainda me puxou para cima, mas minha consciência, se não meu corpo, foi dragado.
E assim, me despeço de mim, de meu outro que permanece, se algum.
A insconsciência me abraça.
Nos braços do homem, guerreiro, que, como todo ariano, odeio.
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