May 24, 2012

Passado

A casa pairava, nua e crua, sobre o litoral.
Na arrebentação, seus nomes se escorriam entre as pedras, sussuros de dor e medo.
Longe, mas indo em direção a ela, os amigos nada sabiam dos crimes que ocorreram ali, de suas vítimas, de seus fantasmas.
O carro furou o pneu na curva, e por sorte, Carlos, controlou o veículo.
Por sorte.
Avistaram a casa.
A noite já se fazia densa, a chuva, fina, agora se remoia, para tornar-se intensa.
Pensaram. Discutiram. Foram.
Na porta, pararam.
Aberta, rangeu.
Eles entraram, chamando. O eco singrou o ar na ida e volta, cortando a chuva que caia grossa e penetrava por suas goteiras.
As garotas estavam com medo.
Os homens, fingiam não estar.
Não havia luz, nem ninguém. Ou assim se disseram.
Um teve a ideia. Os outros não gostaram. Ele foi, só.
Ele foi até o sótão, escancarado para a lua. Como boca de morto, o aposento se abria ao mundo.
Lixo, tralha, o rapaz pensou. Nem olhou para as caixa. Muitas, intactas em seus segredos.
Nos quartos, penetrou nos armários, nos baús.
Não o rapaz.
O segredo.
Esse, se delineava em vento e sombra, em suspiros esquecidos e cheiros mortos.
O rapaz, entediado, foi ao porão.
A casa, faminta, abria-se em entranhas de madeira velha para receber o visitante.
Desavisado, passa o umbral.

E cai. A grama entra na sua boca, durante o susto e o baque.
Cospe, e confuso, tenta levantar.
Ouve as risadas. Risos de crianças.
- Levanta para cair de novo!
Grita uma delas. Uma menina, uma criança.
Ele levanta irritado, e sem controle, cai de novo.
- Eita, ele tá maduro! Corre antes que ele apodreça!
Diz um dos meninos, e as crianças, descalças na grama, correm.
Ele olha para si e se percebe. E treme.
Seu corpo, tal qual os outros, não deve passar de poucos anos.
Levanta-se e olha em volta. Vê a casa.
Longe.
Está na casa de um dos vizinhos, morro abaixo.
Desesperado, confuso, corre de onde as crianças vieram.

Ela vai atrás do namorado.
Seu medo a reveste como armadura, mas seu efeito a fragiliza, como vetir-se em papel para acolher golpes de espada.
A casa, com faro de horror, sente o pavor e se deleita.
Deixa que a moça entre.
Mas, como boa caçadora, fecha as portas certas, abre as erradas, e a moça, chega, sem saber bem porque, encerrada, ao porão.

O sol lhe cega, o cheiro tonteia.
Ela se vê e vomita.
Ela grita, seu medo suplanta o prazer de um novo amanhã.
Ouve o som e olha, e não há nada.
Então, rápidas e fortes, outras crianças se arrastam pela sua vista.
Um desenhar borrado na veloz lentidão de um sonho rápido.
Ultrapassam a menina, e gritam:
- Corre! Ou fica e se deixe morrer! O monstro tá chegando!
Ela corre. Sem pensar, corre.

O último casal grita por ambos.
Ambos, ignoram.
Eles vasculhama casa, mas não por muito tempo.
Concordam: tem medo.
Na covardia de uma noite escura, abandonam a sua própria chance, amigos um dia jurados irmãos.
Buscam a chuva e estrada, e vão, além dessa história, contornar um dia, sua culpa.

Eles se encontram. Ela e ele. Ele, o monstro.
Mas só na fantasia, no pega-pega, no corre-corre.
Se abraçam e confortam.
Já estão a esquecer, lentamente, do mundo.
Crianças, se reconhecem.
Lembram. Sabem que um dia, foram.
E serão. E um dia, voltarão.
Um ciclo que começa e termina numa casa que era jardim, onde crescem muros e vira casa, que se abandona no penhasco.
E sabendo, são felizes.

O tempo lhes devora.
No porão escuro, a casa os digere.
Alheia ao seu mistério, ela só vê a si como uma predadora.
Pronta, esperando, realizando uma vingança de uma ofensa inexistente.
Só. Fica a casa.
No penhasco.
Só.

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