June 13, 2012
Limites
O hospital fede. Todo hospital fede.
Eu não aguento mais. Covarde, eu saio de lá, quase correndo.
Ela esta lá, morrendo e eu aqui, que não sinto dor, correndo.
Só paro para não ser parado pelo carro.
Ofegante, no meio da rua, no meio da chuva, tomado de pânico.
O relógio marca 12 e poderia ser da noite, o mundo está escuro como meu coração.
Aproveito a chuva e choro. Com as buzinas, eu grito.
Meu rosto se verga de fúria e dor, raiva de mim mesmo.
Entro no posto de gasolina. Pego, pago, bebo a cerveja. Repito o processo duas vezes.
Para que voltar ao hospital? Sou inútil lá.
Quero cuspira a raiva fora, fazer a acidez que me sobe até a garganta, engolfar o mundo como faz a chuva.
"Foi um acidente". "Não houve intenção". "Ela mesma tirou o cinto". "Ninguém obrigou ela a ir com a gente". "Onde você estava?". "Porque você deixou ela ir?". "Onde estava quando ela chegou ao hospital?". "Tentamos ligar para você antes dela entrar em coma". "Você é mesmo o pai dela?". Se ela morrer, eu morro. É idiota pensar assim? Ligar-se a sua filha desse jeito?
E todo mundo está certo. Eu me sinto culpado. Mas isso não isenta ninguém mais. A porra dos "amigos" dela, dos pais dos amigos querendo jogar a culpa para ela, para mim...
Sim. Diabos, eu tenho onde jogar minha raiva. Eu tenho os culpados.
Eu conheço eles. Levei Renata para a casa deles. Comi com seus pais em churrascos enquanto nos olhávamos nossos filhos.
Éramos amigos.
E agora só vejo suas costas. Seus amigos sequer a visitaram.
Márcio mora aqui perto. Pai de Carlos.
Primeira visita.
A casa tem muro alto. Um lugar onde os vizinhos ignoram a existência alheia tanto quanto possível. Eles tem empregada. Ela abre a porta, pede para que eu espere na sala e me oferece uma toalha para que me enxugue. Eu agradeço e espero sentado no sofá da sala.
Márcio aparece. Acabou de chegar do trabalho, deve ter, na verdade, chegado logo após, mas preferiu ir por outro caminho até o interior da casa. Tirou o paletó, mas ainda está vestido como foi ao trabalho.
Ele não está satisfeito. Vem em minha direção. Ele abre a boca.
Fecha ela com o cinzeiro de cerâmica que estava observando enquanto esperava.
Cinzeiro caro. Pesado. Os detalhes que acariciei com o mesmo cuidado que tive com as pernas de Mônica esses dias. Os dias em que passei desaparecido. Entre suas pernas. Perdido.
Perdidos dentes de Márcio. Que segura o rosto em descrença, dor, raiva.
Ele iria ofender minha mãe, mas parto o resto do cinzeiro na cara dele. Empurro ele para baixo, para o chão, sua cabeça batendo na mesa de centro, muito bem posicionada no caminho. Tenho de agradecer a porra do decorador. E bato a cabeça dele. E bato, e bato. E bato.
A empregada vem ver o que foi o barulho. Pergunto em alto e bom som, onde está Carlos. Digo que o pai quer falar com ele.
Ela vai chamá-lo, sem nunca ter entrado na sala, sem ter visto o que houve.
Ela foi treinada para obedecer aos gritos.
O menino vem descendo. O menino é maior do que eu.
Fingo estar ajudando seu pai. Peço ajuda. Ele se aproxima, segura o corpo do pai e recua quando vê o rosto.
Eu envio a chave do meu carro em seu olho.
Ele começa a gritar, eu o esmurro na garganta e boca. E faço novamente bom uso da mesa de centro.
Chamo a empregada. Digo para ela abrir a porta e calar a boca. Parar de chorar.
Limpo a chave com a chuva.
E sigo adiante.
Segunda visita.
Ricardo está saindo com os pais quando vou chegando com o carro.
Enxergo eles da esquina.
Posso ver Sávio na portão.
Cecília está dirigindo.
Eu acelero.
Meu barro bate com força suficiente para jogar o outro veículo contra o home no portão.
Eles não tinham colocado o cinto ainda.
Me sinto desorientado, mas saio do carro com a chave de roda na mão.
Acerto a cabeça de Cecília que se abre com esse único golpe.
Ricardo está engatinhando para fora do carro.
Ele alcança o pai, um resto de gente esmagado e quase partido ao meio, que não sei como, ainda geme.
Ricardo chora. Eu lembro de Renata, com quem ele namorou, as vezes que ele foi lá em casa. Bato nas costas e cabelo dele e só paro quando a chave de roda fica presa no corpo dele.
Saio de lá. Vou para a casa de Marina.
Terceira visita.
A casa dela é do outro lado da rua. Há muita confusão. Vejo um carro da polícia.
Eles estão se aproximando. Um aponta a arma para mim. Eu olho para ele. Me entrego.
Vejo Mariana se aproximando. Gritando comigo. Não escuto.
O polícia se aproxima.
Me atiro nele. Ele atira em mim.
Mas lje quebro o nariz, forçando o controle da arma, que consigo disparar duas vezes.
Marina cai. Sangue na camisa.
Meu celular toca.
Eu olho o SMS.
É meu irmão. Irritado. Diz para eu atender. Diz que minha filha morreu.
Eu sabia.
E o outro policial atira.
E eu, covarde, fedendo.
Me ausento.
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