September 28, 2012

Três Desejos


Chega. Sem de onde, mas do quê.
De um desejo composto.
Ele vê.
E olha para o sapato enorme.
Ao lado de seu pé, um imbuá se contorce sob a luz do sol.
Sua casca brilha em carnado marrom, com dezenas de patas brigando por um chão que esta lá.
Esfrega aos dedos.
Sente a pele.
o calor.
E anda, pensando do imbuá, que sem motivo, morre ao ver o sol.

30 anos depois, ele só pensa: "É complicado ser gente".
E seu tempo, lhe parece, acabou.
Faz um desejo.
Acende a churrasqueira.
Ele lembra de ter se assustado a primeira vez.
Tinha visto as chamas e, descuidado, se queimou.
O primeiro ano foi assim. Mal sabia andar.
Hoje, ele olha para carne assando e espera.
Ele come sem pressa. O churrasco, bem tostado, é como ele aprendeu a gostar.
As chamas continuam acessas mesmo horas depois de ter terminado de comer.
Ela chega depois de meia noite.
O vento prenuncia sua chegada. É forte, quase vivo.
Ela surge da churrasqueira, parece nascer das próprias cinzas.
Ele quase fala com ela, esquecendo do que é ser como eles, djinn.
Ambos se olham. Sua comunicação é a ausência dela, um silêncio que impacta.
Passam o dia assim e a próxima noite.
Ele, enfim, cai no chão.
Afinal, era homem.

Quando acorda, está sozinho.
Não há o calor, apenas suas marcas na casa.
Em livros que ela tocou, na cortina chamuscada, na maçaneta derretida.
"Ela", ele pensa. "Somos todos, "ela"".
Escreve em letras de anjo no ar, mas como a 30 anos atrás, não há resposta.
Nem sua poesia não rompe o inefável.
E lembra, mais uma vez, de seu primeiro poema, o que lhe deu um futuro entre os seres de carne.
E se vê assim, como o imbuá, mexendo-se, girando no chão, morrendo, vítima do sol, quando bastava se por de pé e sair dali.
E resolve, desejando, ir.
Pára na cozinha e depois volta para a sala.
Assim, se descomplicando de gente, ele deita no sofá e aguarda.

Ele deixa tudo para trás, nas chamas.
Seus prêmios, poemas, casa, vida...vida.
Exprimida mais em verso que em prosa,
nas chamas de um desejo de aprender,
na língua do fogo e do vento.
Três desejos calam sua ida,
silenciam o poeta na despedida,
com o clamor da tempestade vindoura.
Brasa é sua língua, desertora,
recomposto em sua graça,
vai embora, o calor que se move sem fumaça.

O seu povo a espera em ruidoso silêncio.
Ele que é ela, abraça todas. E vão.

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