October 01, 2012
Uma conversa entre personagens menores.
Querida filha, quando você receber essa carta, já estarei em alto mar. Dessa vez, optei por não me despedir pessoalmente. O desejo de contar tudo é intenso, e a mesmo a traição que cometo em lhe escrever esta carta, quase insuportável. Não poderia, no entanto, partir para destino tão incerto sem antes me despedir. Dito isso, não deves nunca mostrar essa carta para ninguém. Queime-a e espalhe suas cinzas em qualquer lugar longe do mar, ou mesmo as enterre. Eu te amo, menina. E se não retornar, saiba que lutei até o fim de minhas forças para ver a ti e meus netos novamente, mas não pude retornar.
Essa é uma página arrancada de meu próprio diário. Se zela por seu pai, o Coronel Savage, da Real Marinha Inglesa, lembre filha, após ler, se livre disto.
Março, 18.
Ontem à noite a névoa londrina não escondia seu descontentamento com os vivos que ainda andavam em suas ruas. Eu vestia roupas civis, assim também estavam trajados os tenentes Haggart, Lloyd, Barker, Bennet e Young. Todos garbosos, destemidos e jovens. Eu tinha pena deles.
A doença não me afligia por esses dias, graças aos aromas indianos que trouxera. Mas estava ansioso, tenso. A casa, longe de Whitehall, afastada de sua pompa e autoridade, parecia aos jovens um local estranho onde se conduzir assuntos de interesse do reino. Eu, porém, já havia visitado o local antes em circunstância muito mais desagradáveis.
Os guardas, que conhecia de vista, não hesitaram em me pedir os documentos. Me pediram também para segurar uma pequena pedra de basalto, em formato de estrela com a imagem de chamas no meio. Um símbolo arcano que já vira e me utilizara antes.
Senti os guardas relaxarem quando todos nós tocamos o símbolo e não demonstramos qualquer sinal de mal-estar. Entramos na casa. O local tinha o mesmo cheiro que sentira antes: mar e canela.
Eu guiei os rapazes e fomos a pequena sala no primeiro andar. Disse que sentassem e bati na porta por cinco vezes, em um toque combinado.
A porta abriu, e Lorde Palmerston saiu por ela. Logo a seguir, o próprio Príncipe Albert e a Rainha. Apenas Palmerston falou, pois a presença real bastava para impor ao seu discurso, todo o grau possível de importância.
"Coronel Savage, tenentes. Os senhores partirão em quatro dias. Irão a bordo do Sunrise. Ele irá deixá-los em Portugal, ondem irão se encontrar com o Professor Bergier. Vocês devem seguir viagem para Shangai." dizia Palmerston, em tom grave. Ele continuou... "Durante toda a viagem, se apresentarão como comerciantes. Informações adicionais estão nesses envelopes, sobre a mesa. Em Shangai, receberão mais instruções, de um cavalheiro britânico chamado Sr. Dee. Ele os estará esperando na embaixada."
Palmerston, por um momento, pareceu aflito. Eu nunca o vi nervoso antes e lembro que isso me deixou preocupado. Ele respirou fundo e prosseguiu: "Os senhores foram selecionados por razões especiais. Cada um de vocês teve um contato com... Forças que parecem alheias a natureza. O coronel e outros... Conselheiros digamos assim, acreditam que os senhores podem garantir o sucesso dessa missão. Não senhor Haggart, não diga nada. É necessário que, aqui, se fale apenas o necessário. Termino lhes dizendo isso: o que estão para realizar, pode garantir ou destruir o futuro do Império Britânico, e quem sabe, o mundo."
O olhar sombrio da própria rainha e a forma como o Príncipe Albert apertou sua mão, pareciam garantir as palavras de Lorde Palmerston melhor que qualquer palavra vinda deles próprios. Após dizer o que tinha de nos falar, eles saíram por onde vieram, como todos os encontros nessa casa, sempre me pareceram estranhos.
"Rapazes, peguem os envelopes e leiam. Se tiverem perguntas, me façam agora. Não iremos nos falar por quatro dias e só a bordo do navio, devemos voltar a nos dirigir uns aos outros." disse,olhando com atenção para cada um deles. Seus rostos jovens na luz bruxuleante, me causavam melancolia. Lembro de ter sofrido similar grupo de instruções, anos atrás. Lembro também, do que acontecia com quem desobedecia as ordens.
Esperei que lessem. Haggart, impaciente, foi o primeiro a falar:
"Coronel, o que devemos dizer a nossas famílias?" essa era a pior parte. Sempre. "Mintam. Falem de uma viagem que já adiaram, de dívidas com amigos, o que bem desejarem. Não posso lhes instruir nisso. Sei que todos vocês, por um motivo ou outro, se ausentam de seus familiares... Não, não virem os olhos. Eu entendo. Bennet, você acaba de ser pai. Minha filha nascia quando cumpria ordens de minha primeira missão recebida nessa mesma casa. Eu entendo o sofrimento de vocês, mas são todos aqui, leais ao Reinado e a Inglaterra?"
Sem titubear, eles me deram a resposta que eu queria.
Nos despedimos e voltei para casa.
Não ouve mais incidentes. Afinal. Não era ainda lua cheia.
Agora vá e queime os papéis. E reze pelo seu pai.
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