November 02, 2012
Amores finados
Ela olhava para a garrafa. Seu rosto, refletido vermelho, lhe lembrava a noite insone.
"Menos tinto", ela pensou e pôs mais verde na face e vinho no copo.
Era a segunda e ainda era terça.
Quantas garrafas ia precisar para sobreviver o resto da semana?
Essa, de todas, era a mais fundamental das questões.
Take on me...
Cantava a rádio, desesperada, pela audiência invisível na morta madrugada.
O vinho, lhe mostrava sem culpa, a face lagrimada.
O mar quase tocava seus pés nus, quando decidiu deitar sobre o capô.
Os cabelos esparrados pelo metal, as próprias mãos acariciando o pescoço.
Swimming in a fish bowl...
O rádio, a despeito do mundo, vivia.
"Eu quero ser apenas seu amigo", ela ouvia a voz dele dizer.
A frase, tão sem sentido, tão inimiga, ouvida na mente enevoada, só lhe dava raiva.
Derrama um pouco de vinho por acidente e se encosta no vidro.
- Bebe também, você m´rece.
O carro não responde a boca entorpecida.
Ela olha para o corpo deitado e espera.
He´s looking kind of bummed...
Pega o celular e não sabe para onde ligar.
A internet ainda funciona.
Liga.
- Oi.
- Oi? Quem é você? Há mais gente aí?
- Shhhhh! É Maria. Estou com dor de cabeça.
- ...
- Tem como tocar algo nacional?
- C-como?
- É, sei lá, Djavan, Tulipa, Leline, quer dizer, Lenine. Sempre confundo.
- Moça, você tá bem? Onde você está? Tem mais gente aí? Você está bêbada, certo?
- Sim, sim. To bebendo. Meu ex tá comigo, ou estava. Coloca a música?
- Não, espera, não desliga, eu não falo com ninguém desde ontem, viu mais gente viva? Mosss...
Ela desliga.
Vivo? Ninguém tá vivo.
Todo mundo tá vinho.
E bebe mais.
Sem contar os dias que me faz morrer...
É, Maria não errou de rádio.
Roberto levanta, devagar.
Sóbrio.
Com sede.
Ela se afasta do carro, carregando a garrafa de vinho.
Ele abre a porta. Seus passos são seguros, os dela, falseiam ao tom dado pelas ondas, que agora lhe tocam.
Ela bebe.
Ele sorri.
- Isso não vai te salvar, Maria.
- Quem quer ser salva, Roberto?
- Você, você sempre quis. O cavaleiro no corcel branco, o cavalheiro que iria te respeitar e amar. Lembra?
- N-não.
Ela chora. Mas está acostumada.
- Não há o que temer, Maria. Todos vão morrer, até mesmo você. Baco e Tanatus, Maria. Baco e Tanatus.
Maria bebe do vinho.
Mas tenho ainda muita coisa para amar...
- Eu te amava.
- Eu sei.
- Então, o que houve?
- Tudo acaba. Não podemos ser amigos?
Ela odeia seu sorriso que tanto ama.
O verde faz vermelha face e o fantasma que levantou o morto, vai embora.
"Tudo morre. Ele está certo." ela pensa, enquanto pega o celular.
- Oi.
- Oi!
- Você tem bebida?
- Alguma, e sei como conseguir mais e você?
- Eu? Eu tenho vinho. Vinho tinto.
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