November 03, 2012
Astronautas, Deuses e Garçons
Eram 5.
Todo domingo, iam ao bar conversar e resmungar sobre sua antiga religião.
O sexta membro pertencia não-oficialmente a essa confraria.
Carlão era o dono do boteco e seu único garçom.
Ele esperava os ex-ufólogos com a certeza que um astrônomo tem confirmada ao perceber que o sol surgiu na alvorada.
Como que seguindo um padrão celeste, eles chegavam, uma a um, na ordem de sempre, sendo Edson o primeiro deles.
O homem alto e barbado, senta, olha para Carlão e pede uma cerveja.
Sem piscar, Edison espera a bebida.
Carlão entra no bar e vai pegar a garrafa, já trazendo dois copos.
Aluísio já vem na esquina quando ele deposita a garrafa na mesa.
- Olá, Edison, tudo bem?
- Tudo, Aluísio, e com você? Pega um copo.
Carlão olha por detrás do balcão, sentado, esperando ordens.
Ele gosta da conversa deles, mas há um acordo de cavalheiros: só conversam de fato quando todos chegam. Enquanto isso, espera navegando online.
Não espera muito.
- Carlão, vê uma dose da minha garrafa, pura mesmo!
Esse é Mauro. Ele deixa o uísque no bar. "Sabe como é, a patroa não gosta de bebida em casa", diz ele toda vez que deixa uma garrafa. E Carlão traz o copo quase cheio.
Ele conhece seus clientes.
Mariana não demora e chega quase junto com Gilmar.
- Como estão as coisas no trabalho, Edson?
Quem pergunta é Gilmar, na voz, um arfar asmático, que esconde mal uma certa inveja.
Ambos, físicos, Edson trabalha na manutenção do reator nuclear da universidade.
- Bem, sssim.
O "s" arrastado, ciciante, é tão característico de Edson, que já virou moda entre os colegas fazer brincadeiras com o "Homem de Draco", lógico, sem que ele saiba.
- Viram a notícia sobre as Bermudas?
- Qual a nova piada, Mauro?
- Não é piada, Aluísio, parece sério. Acharam novas pirâmides, em grande profundidade, na região do Triângulo das Bermudas.
- Hilário.
Diz Edson, seco. Gilmar faz cara de quem não sabe de nada, tendo queimado sua coleção de livros de Berlitz, que ele disse manter em sua cabeceira por anos.
- Será?
Mariana pergunta, já com um sorriso bailando nos olhos negros.
- Será?! Mariana, vamos ter de caçar sua carteirinha de ex-ufóloga.
Todos riem, até mesmo ela. Carlão presta atenção, mas não sai de sua posição. São clientes, não amigos, ele tenta se lembrar.
- Aluísio, claro que não acredito que são "extra" e nem mesmo "intra" terrestres (ela olha para Mauro, desconfiada), mas pode ser uma descoberta arqueológica imprescindível!
- É, como os desenhos em Nazca!
- Isso é golpe baixo, Gilmar.
Mariana sorri, seu riso sem dentes. Acidente com ácido que espirrou na sua boca e quase a matou, foi o que ela explicou ao grupo. Ninguém a contestou, mas não entendem porque nunca os substituiu.
Ela era a "tarada do Peru", tento feito várias viagens ao local.
- Concordo, Gilmar, muito baixo, submarino!
Mauro lidera nas piadas. Sua gargalhada cheia, é como uma lufada de som, é brutal e desmoralizadora para Gilmar e é acompanhada pelo riso dos outros.
- Carlão, me traz uma tônica e... Vodka, né Mariana?
- Isso. Bem, como estava dizendo, a despeito das piadas, tanto essa cidade quando Nazca, podem conter segredos sobre povos antigos, que nem imaginamos.
- Exceto você, certo, Mauro.
Gilmar, gordo e baixinho, e Mauro, são puro contraste e sempre agressivos um com o outro.
- Gilmar, eu queimei meus livros de Däniken com orgulho, tá?
- Vocêsss querem parar de brigar por besssteirasss?
- É, gente, vamos parando. Aliás, souberam daquele doido?
- Qual, Aluísio?
- Icke, Mariana.
Risadas gerais. Sem piscar, Edson olha fixo para Aluísio.
- É sério, Edson! O cara disse que os americanos devem evitar votar! Tanto o candidato republicano quanto o democrata, vieram da Constelação de Draco!
Risadas gerais. Exceto de Edson, que parece nervoso. Todos olham para ele, que finalmente, ri.
- Minha carteirinha ficou a perigo, hein?
Todos sorriem e voltam a beber.
Horas depois, vão embora.
Carlão fecha o bar logo que saem e vai para os fundos.
Abre a porta com cuidado, após inserir a chave e girar ela em código.
No quarto dos fundos, monitores.
Ele vê os clientes indo embora, se separando.
Gilmar, larga seu corpo e entra numa fenda. O homem minúsculo usa uma aparelhagem para respirar, e não chega sequer ao joelho do corpo que usava, que se desmonta rápido e vira pó.
Mariana entra em no fusca e, em meio a uma queda de energia, que apaga inclusive faróis, alça os ares no carro que vira pires.
Apenas uma sistema especial das câmeras mostra a moto de Mauro como ela é, um mecanismo simultaneamente arcaico e moderno, que ao atingir velocidade próxima do som, some no ar.
Edson não some, apenas entra em seu apartamento, onde ele não cria cobras ou gatos, mas recebe com frequência pequenos mamíferos vendidos vivos para o consumo.
Aluísio olha de volta para cada câmera. Vestido de negro, entra em um furgão, andando de costas e some.
Carlão só observa e enquanto espera o próximo fim de semana, escreve relatório e Lê novamente Dan Brown. Nada como literatura de humor para passar o tempo.
Ignorante, Carlão não presta atenção em seu gato, que sorrateiramente, traz para dentro do quarto, uma caneta BIC...
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