December 05, 2012
Faces da Cidade
Recife, 2012
Isso é raro.
A casa, ainda ardendo, não parece mais quente que a noite da cidade.
É a máscara que a torna cínica?
As vezes.
Ela espera por algumas horas.
A polícia e bombeiros, deixaram barreiras e avisos.
Nada disso importa.
A máscara de ratazana se ajusta com perfeição.
Ela percorre os escombros ainda quentes, com pequenos e curiosos olhos negros.
É a primeira máscara que fez só.
Poderia estar orgulhosa agora, mas é uma rata.
Não demora e acha o que procura: escamas.
Ela o havia seguido, espiado, farejado, e algumas vezes, escutado suas conversas.
O conhecia bem, por quaisquer de seus nomes...
O homem-dragão, o lagarto, a serpente de fogo... Mas seu nome mais conhecido, Boi Tá-Tá, foi dado pelos índios.
Se fosse humana, teria chorado.
Tinha acreditado na mudança.
No monstro que parecia ser homem.
O corpo carbonizado, do pequeno bebê, diz outra coisa.
A mulher, ela não vê.
Sai dos restos e segue pela rua, tentando achar seu rastro.
Mas há gatos.
E ela a volta a ser mulher.
Que teme.
Pensa em ligar para André, mas desiste.
"Algumas covas, temos de cavar sozinhos", pensa e se move entre as casas e prédios velhos da Rua Velha.
De máscara em máscara, ela se ajusta a cidade.
E assim, com tantas mudanças, percebe uma lacuna.
Uma máscara que falta. Uma máscara de mulher.
Aline olha sua bolsa de novo. Não esta lá.
Pensa. Caminha. Camila.
Sim, Camila. É o nome da máscara. Mas onde está?
Rápida, muda de máscaras no Cais de Santa Rita, em meio aos escombros ao lado do rio, tenta recompor a memória.
Ela entende. De lábios do cão que se torna, um gemido humano.
No cheiro que ainda carrega na bolsa de máscaras, nas cinzas, da morte, horror, nadaque sobra e vêopequeno, nada, ela, confusatreme, treme, cai, fica.
O que ela fez? Ela se desespera e tenta organizar as ideias. Se torna gata.
Volta ao prédio incendiado.
Era seu filho.
Dela e daquilo.
Como? Como?
Camila.
Que ela criou para espiar o Boitatá.
E que se encontrou com ele. E, mesmo com medo, se envolveu.
E viveu junto.
E amou. E teve com ele, teve um filho.
Mas o que houve?
Precisava da máscara.
Precisava entender.
O gato vira sombra, que vira fio, que vira vento, que vira mosca, que vira homem, que vira morcego, que vira mosquito, que vira Aline, no traçar de um desejo de reaprender o que fora, ela cai em si...
Camila era máscara.
E friamente, a usou e é só isso.
Onde ela estava com a cabeça?
Ela se indaga e se afoba, triste, com os caminhos que trilha.
Teve a criança. A máscara teve. Aline, não.
E em sua rejeição, ao sentimento, escondeu-se de si.
E destruiu Camila.
Que fez o monstro então? Matou o menino? O encontrou abandonado e morto?
Quem é o monstro? O que abandona? O que finge? O que não perdoa?
Aline desiste de procurar a serpente que se fez homem.
Ela não tem respostas e as que parece ter, a enojam.
Quanto deu de si em nome de uma vingança?
O que deu de si, se não o tempo de uma farsa?
Camila era ela?
Ela não quer pensar.
Vai pra Várzea.
Ela sabe, hoje, ele está no cemitério.
Tão próprio a um homem morto, como discutir com ele a respeito?
Mas não é dos hábitos de André que ela tem de falar hoje.
Sim, dos seus. Ela confia nele, sabe que a vai ouvir.
Ela o ama. Ele, a ela.
Com ele, ela não precisa usar máscaras.
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