February 15, 2013
O Gárgula
A cerâmica, ainda intocada pelo dia, não estava muito mais fria que sua pele.
Sua janela se abriu com um pequeno ruído.
Um arranhar de metal na textura da noite.
Ele olha.
Conta, sem preocupar-se em contar, as poucas janelas iluminadas.
As estrelas pareciam, no céu, pintadas.
Compondo o cenário de uma cidade vazia.
Uma mentira de estrelas que não guiavam o destino de ninguém.
E, como que escapando de uma caverna vertical, ele atravessa a janela.
Invisível, observa o mundo descolorido.
Por trás das paredes que deixou, eles dormem.
Ignoram a cidade insone, incapaz de descanso.
Roncam baixo, corações rápidos.
Tem pele quente, virgem de um que a ira endurecer.
Seres solares, tão diferentes dos que habitam esse outro lado.
São filhos.
Do alto, observa as outras sombras.
Muitas caem.
Prédios, árvores, postes, as lançam de si para o chão.
Outras tem mais autonomia.
Ele se segura firme.
No chão, algumas conversam, riem, ameaçam, traficam, sorriem, matam.
Do estreito parapeito, apenas observa.
Podia puxar do bolso o celular. Ligar.
Mas há um acordo tácito.
O prédio, ele guarda, assim como sua língua.
A noite, ele prefere, que não fique mais vazia.
Já bastam os outros.
Postados, em outros prédios, vendo o mesmo, vivendo o mesmo.
Poços de incerteza e silêncio.
Dependurados e cinzas.
Ao som que a luz faz antes de se propagar, vestindo a cidade, ele se recolhe.
Entra na gruta.
Deita na cama.
Finge que dorme.
Está porém em um canto do quarto.
Na quina escura.
Olhando a si.
Que toma o banho, que acolhe a comida, que vai trabalhar, que finge que é quente.
Mas aguarda.
A noite.
Onde é tudo que pode ser.
Incerto. No silêncio.
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