July 07, 2013

Exsomnis Et Bellum


O som das bombas fazem o prédio dançar.
Não há nada excitante no movimento, nada belo.
Da alta janela, ele olha para a cidade coberta de fumaça.
Percebe, o quanto está só.

Afinal, eles foram embora.
Não houve despedida.
Não tiveram tempo. Foram com pressa.
"Narciso vai viver melhor em Lumina", disse Leandro na última vez que o vi, falando dos preparativos para a viagem, dos planos que tinha para o filho.
De Mônica ele já não sabia.
A esposa desconfiada, com uma eterna camada de falsa simpatia.

E, de um dia para o outro, sumiram.
Antes, nas suas últimas semanas, deles, só via as caixas de coisas jogadas fora.
Algumas, muito boas. Pensou em pegar uma ou outra, mas um certo pudor, um preconceito de catar algo do lixo do outro, o impediu.
Vizinhos por quase dez anos.
Nunca foram amigos, é verdade.
Muito trabalho.
Todos trabalham. Todos pagam o dízimo.

O andar está vazio, exceto por ele.
Os outros apartamentos foram sendo deixados a medida que os sons do conflito se aproximaram.
Ele ficou ali.
O descartado.
Uma caixa, com suas qualidades, mas que ninguém quer levar nessa próxima viagem.
Um nativo em uma cidade de horrores.

E ele, sabia, queria ficar aqui.
Dependia disso.
Ou quase.
O que o fazia ficar na cidade arruinada, quando seus amigos e vizinhos partiram? Quando sua família o havia abandonado?
Pretendia buscar uma redenção para o asfalto partido, banhado em sangue conterrâneo e estrangeiro?

Uma bomba cai perto.
O prédio, rebola.
Para ele, daqui, parecia natural como uma estação do ano.
A cada década, alguma das famílias regentes tem seus números inflados e é "diminuida" pelas outras.
Uma batalha física, política e espiritual, marcando e re-demarcando a cidade amaldiçoada a milênios.
Os pecados dos pais, como em todas as histórias, estão sempre presentes.

A guerra nas ruas é esporádica, mas insensível, não polpando aqueles que escolhem não se envolver.
Ele nunca pegou em armas.
Hordas de uma das famílias se aproxima.
Saqueiam o que encontram, matam aqueles que resistem ou não.
Ele sempre se escondeu.
Uma fuga honesta, na qual se permanece onde está, esperando soarem os alarmes dos ônibus que o levarão ao trabalho.

Ele lembra da história.
Seus ossos ainda marcam a cidade, como gigantescas torres de marfim e ferro enegrecido que não corrói.
A morte do demônio, destruído pelos heróis que, para impedir que ele ressuscitasse, devoraram seu corpo, amaldiçoando a si e suas famílias, obrigados a sempre devorar os outros.

A horda chega perto.
Vão nos andares de baixo. Nunca chegam no seu andar.
Nunca.

Ele não tem medo.
Trabalha no centro, onde lhe devoram todo dia.
Não vai mudar.
Essa é sua cidade.
E afinal, quem não tem problemas?

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