July 04, 2013

Exsomnis Et Laboris


Ele sabe que vai morrer.
Todos sabem.
Cada um deles em seu canto, sentados ou em pé, terão o mesmo destino, mesmo que sigam por caminhos diferentes.
Suas faces, sem exceção, são marcadas por uma expressão de fatalidade.
Apáticos, se agarram as barras presas ao teto, que trepidam com o movimento.
O carro se move d e v a g a r.
Não há por que ter pressa.
O fim será o mesmo de todo cotidiano.

A capital é ensolarada e suja.
Urina corre por debaixo da cidade em suas agonizantes veias e artérias, congestionadas com restos humanos.
E ali que desce, no centro, no fulcro da miséria, uma pústula aberta no tecido cicatrizado de uma cidade doente.

Ele caminha pela avenida do desassossego.
Nada há que lhe interesse.
Os outros mortos pouco dizem ou mostram.
Os bens que os consomem são privados.
Horrores e suplícios. Distintos, particulares.
Baratos, de incalculável valor para cada eu.

A haste cinza rompe o mundo na esquina da desesperança.
Fere o olho de quem a vê, ameaçando o céu azul e sem nuvens.
O Marco Zero demarca a falta de limites.
Nenhum sacrifício é o bastante. São todos, servidos sem dignidade ou trégua.

E ele entra no prédio. Mortos balançam a cabeça quando ele passa por eles.
O elevador range com sons que lembram línguas esquecidas.
O óleo cor de sangue, pinga do topo da caixa, que pulsa, pulsa, pulsa, imune aos corpos estranhos que o parasitam na viagem.

Desce em um dos últimos andares, tão ruim quanto os primeiros. Porém, mais perto do fim.
Lá, ele é devorado.
O processo é lento, de uma brutal gentileza.

Sangue, sêmen, suor, ar expirado, lágrimas, são colhidos, medidos, carregados por entre um estranho tagarelar que enche os andares superiores, que disparado pelas paredes sujas, cortam toda concentração e fuga.

Fora, aves batem contra a construção sem janelas. O calor escapa por tubos, acompanhado do cheiro de carniça. Antes da noite chegar, a cobertura é aberta, onde os trabalhadores mais antigos são servidos vivos para os diretores.
O que deles resta, é dado as pássaros que chicoteiam a estrutura em frenesi, servindo as massas que, ao redor do prédio, as recolhem quando caem.

Não chegou a hora dele ainda.
Se afasta do prédio negro de fuligem, com passos que, dentro de seu exaurido limite, são apressados.
Sabe que logo sairão do local também os mais novos, e com eles, talvez chegue caos e morte.

Ele não sabe o quão se importa, se é que se importa. Talvez seja hábito. Os pés se movem rápidos, não lhe pedem licença.
Ele vê o ponto.
Outros mortos o esperam.

Não há vendedores aqui. É outra rua.
Não resta dúvida, é aqui onde seus pés param.
É aqui onde deve aguardar.
Todos sabem disso.
E em fila, em meio aos restos dos que não aguentaram mais, aguardam.

Com a noite, outras figuras aladas.
Estes não discriminam entre os mortos e os vivos.
Mas não há luta.
Não há resistência.
Os que estão aí, não habitam o primeiro ou segundo andares das torres de trabalho.

Jovens chegam em breve.
Eles não entendem ainda o mundo.
Como bons arautos, os cães ladram sua vinda.
Alguns, agora massacrados, não melhores que os cães meio-mortos que os mordem os calcanhares.
E amedrontados, afugentam as aves.
Tem melhor sorte que os que estavam antes, um deles sem o olho, arrancado pelo predador, que não o distinguiu de outro tipo de morto.

O carro chega. É o mesmo, ou são todos idênticos, que importa?
Ele sobe, ou é empurrado. Não sabe ao certo.
A visão turva, a exaustão aguda, a noite sem luar, fazem do veículo o estômago de uma besta que, mesmo os levando para casa, lhes digere os sonhos.


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