July 17, 2013
Noite Estrelada
Gosto de sair a noite. Especialmente em dias chuvosos. Sentindo me encharcar de frio enquanto piso no asfalto.
Quatro, cinco blocos. Não há policias nem bandidos. Eles devem estar brincando em outro lugar. As vezes desejo que não estivessem. Meu coração deseja, implora por violência. Um condicionamento tardio me impele a ter medo, a pensar que, talvez, seja bom estar só. E sinto nojo de mim.
A água corre pelos meus lábios como o sangue provado na madeira de um escudo. Os corpos caídos, os ossos partidos, a neve suja. Ela me beija e esqueço tudo. Volta a sala de jantar, a televisão, ao noticiário. Ela me ancora.
A chuva já caia quando me sentei no escuro. Os mesmos cabelos que um dia foram dourados, são agora negros como as penas de corvos mortos. Uma menina cruza seu olhar com o meu, rápida, afasta os olhos.
Na avenida principal, divido a parada com putos e putas. Sua conversa é a mais comum possível, e indistinta daquela que poderia ouvir de amigos e vizinhos. Exceto por jargões tão típicos de seu mundo, indícios de sua profissão, que os impede de serem ordinários.
Invisível, espero o meu ônibus. Outros passam, alguns sem pensar duas vezes, próximos a parada, jogando á água suja nos desatentos. Eu deixa a água correr pelo meu corpo. Estamos todos sujos essa noite.
Ela chega desacompanhada. Meu coração acelera. Bate no escuro, farejando sua luz. Ela fala com várias pessoas conhecidas, conhecidos em comum. Alguns, se aproximam de mim. Eu converso com eles, ofereço lugares, sentam. Bebemos. Eu aguardo. Meus ossos velhos se estendem além da casa, além do mar, e sinto o gosto salgado do mar na boca.
Um táxi para, um dos rapazes da parada vai até ele. Conversam. O rapaz fala algo para os amigos. Ele entra no carro, que o vela a poucos metros adiante, fazendo a curva e estacionando. A chuva e vidros escuros, não permitem ver o que acontece. Um das sombras cobre a outra.
Ela olha através de mim, fala com cada um dos amigos a mesa, mas me ignora. Ela prossegue e alguns deles olham para mim, alguém tenta falar comigo, mas levanto um dedo, isso basta. Não há nada que digam que já não tenha escutado tantas vezes. Me levanto e no caminho para o bar, desapareço nas sombras. Aqueço as mãos na lareira, ouço os gemidos dos mortos, e volto ao bar, saindo por sua porta.
O tempo perde sentindo em meios as estalos de água. Há uma certa tensão na conversa de meus companheiros de madrugada. Pouco sei sobre sua profissão e os riscos que envolve, mas havia um certo alívio quando o rapaz saiu do carro. Há tanto que ignoro sobre eles. Sobre cada um, atrás de suas portas e janelas, sonhos e vidas. Nunca precisei conhecer nenhum deles, conversar, ser visto.
O hospital fedia a urina e fezes. A mulher agoniza lenta, em silêncio. Ninguém sabe o que se passa por trás dos lábios mudos. A filha lhe agarra a mão com força. Observo ambas sem pudor, um olhar burocrático, uma espera igual as outras. Mas a filha me olha nos olhos e meu coração bate.
Os índios gritam em sua língua estranha. Chamam meu nome, pedem, esbravejam. Caminho suado por um jardim de moscas. Ela tira o cabelo de meus olhos. Me abraça e fita seu reflexo. Amor sorri do canto do quarto. Eu finjo que não existe, ignoro sua presença. Apenas aproveito e guardo o momento, antes que me caia ao redor em cascata.
Ele passou por mim enquanto eu tentava enxergar se meu ônibus estava vindo no outro sentido. Ele não expressava nada diferente, ou talvez o fizesse, mas seria ele ou minha imaginação? Logo está sorrindo, conversando, mais rico que alguns momentos atrás, sem perceber de fato o que vendeu.
Ela junta suas coisas e sai da casa. Eu chego até a porta, tento dizer seu nome. O cheiro de pólvora chega com o vento quente. Eles gritam em francês, morrendo na lama. O som, o maldito som, interminável, cortando com metal e fúria.
Chega a minha condução. Não há mais ninguém. Subo no carro, que balança, range. As nuvens despejam ácido. Olho mais uma vez na direção do bar e ela olha de volta. Mas não me vê mais.
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