Amarelo
Eu ainda visito seu perfil e penso em todas as coisas que nunca dissemos um para o outro. Não que tivéssemos o que dizer. O egoísmo é meu. Não que tivéssemos importância um para outro. Certamente não tive para você.
Se estou soando amarga, é por já saber o que sou. Gosto da cerveja da sexta que não vamos mais tomar. Nós poderíamos conversar de novo para você me dizer o quão horrível eu sou ou ironizar meus gostos. Mas a gente não pode, né? Pois eu sei o que sou. Aquela que te deixava falar, sem saber se iria ou não e nunca fomos.
Eu poderia envelhecer e odiar cada dia dessa vida. Mas admito que sinto sim, falta de meus cabelos. O calor no peito do coração que ficou mais duro que uma pedra. Ou assim pensava e assim, que ironia!, assim ficou. Aprendi a sentir falta do que tinha como certo apenas quando perdi todas as certezas. Menos uma: nada é certo. Tudo se enverga diante do que vemos, nada se enxerga como quando queremos.
E você vê os shows que nunca verei, escuta os que não posso ouvir, reclama dos que nunca irei sentir. Eu ainda visito o seu perfil. Aquele cotidiano besta, desconjuntado que queria ser meu. "Te abdico", algo em mim um dia disse.
Parecia fácil, tínhamos tanto em comum. Mas nada era fácil, não é por isso que sou assim? E das coisas que dissemos, que bom que me perdoou. Mas você pode me esquecer? É a lacuna. Não é? Não existe a quem perdoar. Não existe ninguém para te perdoar. É só um buraco que te olha mais profundamente, quando mais fundo vai teu olhar para dentro dele. Um questionar que te questiona, esbraveja num sussuro incansável: "de quem é a culpa?"
Eu me sumi de você e você continua aqui. Visito o seu perfil e sei. Poderia deixar de ir, assombrar outro lugar, deixar seus 1 e 0 só para ti. Puxar a mim de sua memória, das suas histórias, do seu histórico. Devorar esse ectoplasma que a ninguém pertence. Mas qual direito tenho? Quem advoga no espaço das ausências? Não há mais, não poderia sequer, como engendrar pior pena...
Mas não deixaria seu quarto menos escuro, tão quente quanto minha tumba. Eu escorro pela sua cama e lambo com sal suas lembranças, que conta que fecha? Que carne que sara? Que vida que segue? Eu dizia que queria uma solução, mas só queria que sentissem falta de mim.
Me deitaram calma, repousada. Era um dia lindo, eu estava linda. Minha pele branca, esticada sobre meus ossos. Onde estava você? Nem soube, não foi? Quanto tempo depois me visitou? O quanto sentiu? Era só um perfil. As sombras das sobras de uma conversa em um mundo que não tem começo meio e fim.
Frágil, mas leve era meu pesar. Olhei para mim e me julguei. Poderia você?
Mas sabe, eu ainda vivo um pouco, quando nas poucas vezes você visita o meu perfil e as lágrimas correm do seu rosto, pensando nas coisas que nunca dissêmos um para o outro. E me agarro a esse sal. O egoísmo é meu.
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