Honra
Seu nome era Matilda. Joheb acariava seus pêlos negros na manhã do último dia de verão. Tinha por ela mais carinho do que por muitos de seus parentes. Estiveram juntos, quase que desde que nasceram.
A clareira se abria a sua frente. Ele a montava de maneira elegante. Ia a frente de seu exército, grande parte ainda escondido por entre as gigantescas árvores.
O inimigo a sua frente, proclamava revolução. "Liberdade", gritavam. Mas Joheb nunca tivera escravos. Não reconhecia a opressão contra a qual gritavam, sabia apenas que ameaçam a ele e seus entes queridos.
Erguido acima dos inimigos, que cavalgavam animais pequenos, alguns, rastejantes, Joheb não escondia seu desprezo, mas não tinha ódio. Não pelo soldado que iria morrer na lama. Não pelos animais que seriam mortos por metal e fogo.
Belise. Esse nome lhe dava insônia. Não por temor. Nunca temia nada. Mas ela fazia nações se voltarem contra a sua. Ele nutria um ódio por essa mulher, que parecia enraizado em cada momento desse dia. Sonhava com punições impossíveis e mortes terríveis.
Matilda estava inquieta. Não seria sua primeira batalha, dificilmente seria a última. Joheb mantivera sua mão nua sobre ela, um contato que, se não curava suas próprias inquietações, lhe reforçava o laço inquebrável eles.
Bandeiras, assovios e trompas prenunciavam o choque. Cantoras de ambos os lados agora podiam ser vistas na borda da clareira. Eram precisavam ver o inimigo. De ambas as posições, os troncos escondiam ar forças que iriam se destruir em breve.
Tão paralelos, tão distintos.
Do lado esquerdo de Joheb, Cristirano garantia que seu corpo estava bem costurado. Correntes substituíram a fina seda em algumas partes, evitando que fosse desmembrado nos primeiros golpes. Do outro lado, estavam Rikan, irmão de Belise e Hoffland. Ambos, atendidos por pajem, tinham sua armaduras reluzentes sendo testadas, com os jovens verificando se a casca metálica de fato garantiria sua sobrevivência para a próxima estação.
Cavaleiros de tribos e reinos diversos iam ainda surgindo, convocados pelas cores e sons que organizam o conflito. Nesse ponto, não havia similaridade. A massa de forças ao lado de Joheb era homogênea. Havia pouco interesse em distinguir-se do outro quando se está morto.
Silêncio. Finalmente. Joheb coloca sua manopla, levanta o braço. O ar é tenso. Os próprios animais da floresta parecem escolher silenciar-se e evitar a atenção do milhares de invasores. Seu punho desce e com os calcanhares, deixa Matilda ciente de seu papel.
A música enche o ar em volta das tropas. O ruído gutural de suas cantoras, cruza o espaço e encontra-se com a voz melodiosa das virgens. Raios, fogo, gelo, água, rocha e raízes. O mundo é distorcido pelo som e quebra-se em conjunto ao choque de metal e ossos, couro e madeira.
Joheb atira sua lança na direção de Rikan, mas esse defende-se com um escudo de luz. Cristirano e Hoffland, nota Joheb, já travam batalha pessoal, em um círculo de trevas que foram tentáculos que expulsam os que se aproximam. O necromance é avarento e irá buscar matar, tantos heróis quanto puder.
A lança de Rikan também erra, mas se finca em Matilda. Um graveto que parece brotar de uma sedosa vastidão negra. O corcel encouraçado se aproxima bravamente. Joheb, por debaixo das ataduras que lhe sustentam o que lhe resta de carne, sorri por entre seus vários caninos.
Rikan corta Matilda, que levanta-se sobre as patas traseiras, com velocidade surpreendente, jogando-se sobre o cavaleiro. Seus olhos parecem prever cada movimento to inimigo, e sem nunca ameaçar livrar-se de seu companheiro, ela despedaça a armadura do cavalo, que agora relinhaça, baba e se debate, em puro desespero.
Quando ela termina de matar o animal, Joheb desce e retira Rikan, desfalecido, debaixo da pobre criatura.
A noite avança. Seu exército cresce. Ele sorri ao ver a face perfeita de Rikan, uma cópia quase idêntica a de Belise. Os que sobrevivem ao combate, exceto por Rikan, ele deixa que vão embora, com mensagens para os reinos em revolta, com o local e hora de onde irá enfrentá-los novamente se coragem tiverem.
Matilda, porém, não verá mais batalhas. A lança, Cristirano lhe diz, estava envenenada. Joheb já esperava por isso. Ele pensa sob o quão baixos são seus inimigos. Quão covardes. Por um átimo pensa em vingar-se, mas lembra da tarefa que reservou para si anos atrás e mantém sua dignidade. A eles, ele levará a paz e civilização. Mesmo que para isso, tenha ainda de sujar muito os cravos de suas botas.
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