August 11, 2013
S
- Como está a sopa?
- Está boa.
- Boa?
- É, boa.
- A sopa está ótima. Vai fazer bem pra essa sua sinusite.
- Se o senhor está dizendo...
- Qual seu problema, Murilo?
- Adianta se eu disser?
- Claro que adianta. Eu sempre te escuto.
- Sarcasmo.
- Não. Você sabe que não, ou estamos assim, tão fora de sintonia?
- Talvez seja isso, pai. Talvez seja isso...
- E você, Edgar, qual o motivo do silêncio?
- Não quis me meter, José.
- Agora você não quis se meter?
- Não, não quis. E não tene me tratar como um menino.
- O fato de você ter feito sexo com aquela vagabunda, não faz de você um homem, seu fedelho.
- Pai!
- Deixe estar, Murilo. Seu pai sempre foi assim, não é?
- Senta nessa porra!
- Você não pode falar assim comigo, Pai!
- Posso e vou!
- José, Murilo está certo. Você não pode, não deve. É isso que quer, ficar aqui, solitário?
- Isso é surreal. Não sei porque eu aceitei que você o trouxesse aqui...
- Nem eu, pai. Sei lá, vai ver você estava sóbrio, né?
O soco na mesa faz com que os pratos de levantem, alguns chegam a cair.
- Viu o que você fez?
- Não tenho haver com os seus destemperos, pai.
- Borges! Borges!
A criatura baixa, pele negra, chega correndo.
- Verme de Svartalfheimr! Porque demorou tanto?
- Você cortou a língua dele, Pai, lembra?
- Não sabia que ainda fazem dessas coisas, José. É assim que você cuida de todos os criados?
- Se...
- Se o que, José?
- Edgar, perdoe papai, ele está bêbado.
- Não, não é isso, é José? Nunca fomos amigos, mas acho que sei o que se passa.
José lambe os lábios antes de responder e com a mão esquerda, tateia para a faca de carne:
- Então, por favor, nos ilumine.
- Você não quer deixar que Sophia se vá.
Um gemido é escutado na casa, um profundo, longo lamento. Um súplica, uma jura, uma ofensa, tudo enrolado nesse longo e triste som.
- Ouviu isso, Edgar, e você filho?
Ambos concordam com a cabeça.
- Vocês acham mesmo que eu não quero me livrar do fantasma de sua mãe?
- Mas você parece relutar, José.
- Você não quer que ela encontre a paz, papai, é sua vingança, não? Não quer que ela ache uma salvação?
- Não estou relutando e não ligo para o fato dela estar sofrendo ou não. Já pensou em mim? Acho que gosto de ouvir esses sons ridículos?
Ela nem sabe assombrar direito! Eu devia ter prestado mais atenção a sua avó. As mulheres sempre acabam assim, iguais as sogras, não?
- Pai, por favor, deixa eu trazer o exorcista.
- Não.
- José, por favor.
- Parem. Não adianta essa súplica. Estou recebendo vocês como cortesia, hoje é dia dos pais, mas é só. Esquecem quem eu sou?
- Você nunca a perdoou, não é, Pai?
- Por ter me abandonado, levado você e ter ido viver com esse...
- Por favor, termine.
- Não seja tão sacal, Edgar. Precisa mesmo dos jogos de poder? Foi esse seu interesse em vir hoje? Para mim você não passa de um safado, não pior que esse meu filho. Essa idade e solteiro! Francamente! Ponha-se a fazer meninos!
- Me trate com respeito, Pai!
- Ou o quê? Edgar não vai lhe ajudar, filho. Acha que se ele pudesse, não teriam pendurado minha cabeça numa estaca? Se você fosse homem, teria casado com uma mulher de verdade, não aquele sapatão!
- Cale-se! Não fale assim de Lúcia!
- Falo como eu quiser, fedelho! AQUI É MINHA CASA! E a menos que você deixe suas bolas caírem e tenha um filho, ou que, por algum mudança brusca, adquira alguma coragem e venha tomar sua herança a força, terminamos aqui, hoje.
Edgar e Murilo se levantam.
- Borges, leve-os até a porta, mande guardas escoltá-los até os limites de minhas terras. Não quero eles morrendo e sujando o solo.
- Feliz dia dos pais.
- Sempre, filho. Agora vão.
Quando estão saindo, escutam ainda o lamento. Murilo estremece e se volta.
- Isso é sacanagem, pai. E baixa.
- Não foi ainda? Vá embora, cresça e talvez eu lhe escute novamente.
E saíram pela porta.
José terminou de comer, lambendo os beiços do sangue que vieram com a carne mal passada.
- O que acha, Borges, ele ainda vira homem?
- Acredito que sim, senhor. O senhor também foi assim, lembra quando seu Pa...
José pega a criatura pelo pescoço e o suspende com raiva.
- Se alguma vez você me lembrar dele novamente, elfo, é você que me será servido, entendeu?
Ele balança a cabeça e José o deixa novamente no chão.
- Mande que o resto da carne dada aos cães. Amanhã quero receber Kristoff com alguma coisa mais tenra.
- Sim, Senhor.
- Mas agora, me acompanha. Quero ver como estão os trabalhos lá embaixo.
Após lances de escada, em um local fechado, mas limpo, claro, José e Borges se vem a frente com um grupo de elfos que cerca uma mesa baixa, nela, uma mulher.
- Oi, Sophia.
- Seu monstro!
- Eu gosto de seu espírito. Quando quer, pode mesmo agir como uma suçuarana, não é? Pena ter sido tão covarde e fugido.
- Eu não ia deixar você estragar a sanidade de seu próprio filho, José!
- Estragar a sanidade? Sabe aquele serrote? Ele vai cortar sua outra perna e seu filho vai comer ela no dia das mães. Então conversamos sobre sanidade.
- Você é um monstro! Um monstro!
- E você puxou sua mãe! Tem sorte que ainda não tenha mandado cortar sua língua. Falando nisso, Casares, re-module o som. Não quero nada fantasmagórico, quero ouvir os gritos dela mais naturalmente.
- Sem, senhor.
- Minha mãe estava certa, eu fui uma idiota.
- Ela está certa até hoje, mas você é uma idiota por outros motivos.
- Mamãe está viva?
- Claro. Eu não poderia viver sem alguém que engraxasse tão bem meus sapatos.
- Seu monstro! José, por favor, me deixe falar com ela! Por favor!
- Eu queria lhe dar esse prazer, meu anjo. Juro. Mas tive de lhe cortar a língua. Sua mãe falava demais!
- MONSTRO! VERME!
E ele da a volta, caminhando até a superfície. Sorrindo, feliz por ser pai de um rapaz que, quem sabe um dia, possa continuar sua obra. E a ex-esposa, bem, ele acha que ela continua gostosa... A sua maneira.
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