August 24, 2013

V


Não há vacina para esse vórtice. Me vejo escoando como a água da pia que pinga, pinga, pinga, sem parar.
- É só uma borracha.
- É, eu sei.
- Não vai trocar?
- Coloca os braços aí.
- Assim?
- Isso.
Quase escorrego no véu, mas lhe penetro a vulva.
Ela geme, geme, cubro a sua boca para evitar os gritos.
Que mulher gostosa.
- Isso, rebola.
O rabo gosto e a vontade de gozar e de fuder mais e o que fazer?
Aí me fixo na verruga. Aquela sua imperfeição que impugna a carne. O nojo que segura o jorro, apertado pela minha palma que lhe agarra o ombro. Mas querendo que me apresse, escuto uma palavrarfar, entre dedos mordidos:
- Volare!
E não nos resta muito, logo apoiados um no outro, numa visceral visão suarenta e exausta.
Eu me levanto.
- Vinho?
Ela faz que sim e dou a volta pelo parapeito que separa a sala da cozinha.
- Tinto?
- Hum hum.
Ainda há um tom de volúpia. Era isso que eu queria? Pego a garrafa, abro, mas não levo copos.
- Quero um copo.
- Tira o vestido.
A noiva desnuda se abre e chão e vinho se misturam, onde me esfrego.

Eu desperto antes. Ela, jogada no chão, escancara, vulgar, não ouve a porta.
- Victor!
A madeira berra, o vitral vibra.
- Victor!
Há duas maneiras de resolver isso. Eu escolho a pior e escancaro a porta.
O noivo olha a mulher no chão e não a reconhece. Negação.
- Victor, você viu...
Ficha cai, estômago sobe, vomita no meu tapete de boas-vindas. "Vou ter de limpar a bandeira argentina depois", escuto de uma distante parte de meu cérebro, mais longe que aquela que devo aos velociraptors. Essa outra, me afogando em gritos e LUTE, CORRA, LUTE, CORRA, como se o mundo fosse um binário entre FODA, MORRA, FODA, MORRA, que é o que sinto quando olho ele.
É uma viagem. Lenta, bruta, mas lenta. Lenta e dolorosa. A boca dói, o nariz incha, as lágrimas se cospem. Lento, não sinto o outro soco, só o rim que explode. O sapato, lento, voa com o chute. Lento bato, bato, bato, no taco que me oprime.
- Vaca! Vagabunda!
- Você ajava que ela erra firgem?
- Virgem como seu cu, né viado? É isso?
Ele me chuta de novo. Eu gosto. Ele lembra que eu gosto? E foi vingança? Fico vendo ele levantar ela, os olhos assustados, mendigos que não esmolo, mas jogo o vestido do ensaio de casamento como única paga.
- Seu filho da puta, eu te mato!
Eu olho duro. Puto. Não sabe que já morri? Porque viés ele enxerga tudo sem saber que morri?
- Então volta, Fictor! Folta e me bate mais, porra.
Ela olha espantada, não entende bem. Olhos de veado que se iluminam com a verdade.
- Ventimbora, porra!
O braço dela é elástico, como o corpo que se curvava quando lhe penetrava, um horror vertebral que me comia.
- É um vórtex.
A boca me escapa enquanto me levanto. Ele ainda me olha com ódio, que seja então, com sorte, volúvel como o amor, como onde escolhe onde meter o pau.
Me quebra o vitral quando bate a porta. O menor dos prejuízos.

A cozinha, agora, é muito, muito distante da vilania.
Me quebrou a venta. "Eu amo seu perfil", mentia ele. Escondido atrás no vinagrete, a garrafa.
Continuo sem precisar de copos. Beber irei, afinal, que vitória.
A pia me acusa. Ela enxerga meu vazio.
E pinga, pinga, pinga, como a vodka, que escorre, para esse vórtice, que não tem vacina.


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