August 28, 2013
X
Procurar um X. Fácil falar, fácil falar.
Ele olha para mais um par de coxas, roliças, se abrem com gosto.
Os pelos negros, encrespados, parecem lhe encarar de volta.
A casa, na Avenida Xisto Ferreira, número 10, lhe parecia tão promissora quanto qualquer uma.
Mas Xeila? Tinha de ser ela, certo?
Ela termina de tirar a calcinha e seu pau amolece.
"Porra".
O amigo teve melhor sorte.
- Tudo bem?
- Tudo.
- Vocês fazem tatuagem, né?
- Aparentemente, é o que diz na minha vidraça, né?
- Bem, eu tenho uma coisa para pedir, mas não sei se vocês fazem, pode ser ilegal.
- Sim?
- Bem, queria saber se vocês fizeram alguma tatuagem específica...
- Específica como?
- Olha, não sou um tarado, é um caso de conhecimento.
- Sei...
- Bem, alguma cliente fez uma tatuagem na virilha, um X?
- 50 reais.
- Como?
- 50 reais e te respondo.
- Mas só pra dar a resposta?
- 50 reais.
O dinheiro muda de mãos e Fernando agradece que Márcio tenha ido procurar de outra forma.
- Tenho sim, na verdade três clientes. Tatuagem na xoxota, hoje em dia, é mais popular que tatoo no braço de marombeiro.
- Tem como me dizer o nome, endereço?
- Vocês são todos iguais.
- Ei, não sou nenhum tarado, cara, é só uma investigação, juro.
- Sei. Olha, por 250 te mostro até a foto da buceta dela, antes de depois.
- Só quero nome e endereço.
- Estão espera aí.
O homem alto, de tatuagem que cobrem os braços fortes, entra na loja que já estava fechando.
O homem baixo, com cicatrizes que marcam suas costas acompanhando toda a espinha, entra na loja fechando a porta atrás de si.
- Ei, eu disse para esperar lá fora.
- Eu não tenho 250.
- Então se foda, porra. Volte quando quiser, agora saia da minha loja. Que coisa escrota!
- Escroto mesmo.
O tatuador cai no chão, urrando, sentindo suas bolas se espremidas por dedos invisíveis.
- Onde está o livro de fotos e onde acho os endereços?
O homem aponta.
- Pega pra mim, por favor.
Ele se arrasta devagar.
Fernando esfrega o pedaço de couro com menos afinco, deixa o homem respirar.
- A-aqui.
Pega o álbum de fotografias, todas impressas em papel fotográfico, e o pequeno caderninho de endereço.
- Aprecio sua diligência e obrigado por não ter nada disso num maldito computador. Agora, os 50 de volta.
O homem espicha o braço e entrega a nota, sendo chutado no rosto, pescoço e peito.
- Valeu.
Diz Fernando, saindo da loja e entrando no carro velho.
O celular toca. Xuxa atende.
- E aí?
- Talvez, cara. E você?
- Na trilha, na trilha.
- Tá bom. Me ligue quanto tiver algo.
- Feito.
Xuxa guarda o aparelho no bolso da camisa e continua esperando.
A mulher sai. Seu rosto gordo, uma enorme lua branca, é palco de um delicado balé de lágrima, mas a poesia se quebra com o arreganhar da boca e o alto choro.
- Calma, filha, ele depois vai voltar.
Diz a mulher pequena, com o rosto magro, de pele seca e esticada, que se vê em grande contraste em relação aos vivos olhos de menina, de um cintilante azul escuro.
- Madame Xi?
Os olhos de xibiu se espalham pelo seu corpo. Ele se sente avaliado, pesado, e logo, preparado para o matadouro.
"Que profissional", ele pensa, em verdadeira e profunda admiração.
- Sim, querido?
O querido é pelo terno, pelo corte caro, pela fala macia? Xuxa não sabe, mas sabe se fingir de peixe.
- Eu quero saber se minha mulher está me traindo.
A gorda lhe lança um olhar enquanto sai pela porta.
"Não há santos nessa cidade", ele lembra e fica tentando a dar uma piscadela. Sempre gostou de sentir a carne cedendo entre seu dedos e estocadas, mas se contém. Aqui, é só mais um besta.
- Quer que eu leia sua mão, tire as cartas?
- Serviço completo. Eu posso pagar.
As pequenas e rápidas turquesas parecem ter seu próprio sorriso, mas os lábios ressequidos nada mostram.
"Assim eu lhe amo, moça!", pensa Xuxa, que entra pela cortina de contas para uma sala mais escura.
- Sente, não tenha medo.
Ele senta na cadeira que balança um pouco com seu peso. As pernas musculosas de Xuxa o apoiam melhor que a madeira e assim, se deixa sentir-se mais seguro.
- Qual o nome dela?
- Xerazade. Com X.
Os olhos quase que a traem.
- Xerazade?
- Isso.
- Que mais pode me dizer dela?
- O que a senhora precisa saber?
- Qual a idade dela?
Um tremular de xilofone se apresenta nos lábios dela. "É ela...", ele sabe.
- Mãe?
- Como?
- Mãe, sou eu.
- Como?
"Eu estou assustando ela, calma, Xuxa...", ele tira do paletó os papéis.
- Mãe, sou eu, Xerazade. Eu posso provar.
- NãO!
A velha corre para dentro da casa. Xuxa se levanta, cansado da farsa, retira as lentes de contato que escondem os olhos turquesa.
- Ela tá no Clube Xavante.
- Tem certeza?
- Tenho.
- Você está bem? Como foi com sua mãe?
- Não foi bom.
- Ela resistiu?
Xuxa desliga e olha para o banco de passageiro, de onde olhos mortos, repousando em um lenço limpo, o acusam.
Os quatro homens se encontram na porta do loca. Chove, mas a água evita molhar qualquer um deles, esquivando-se com nojo.
O mais velho deles, tosse.
- Tomou seu xarope?
- Tomei, Márcio. É mesmo aqui, Xuxa?
- É sim, tenho certeza. Eu trouxe... Os olhos dela.
- Estão apontando pra cá? Tem certeza?
- Xerxes, seu filho fez tudo que devia ter feito.
A baba marrom que embeleza os lábios do homem, é menos desprezível que o olhar que lança para baixo.
- Xô, Fernando. Não pedi sua opinião.
- Mas vai ter. Ainda não acredito bem em sua história.
- Se quer ficar rico, melhor acreditar.
- Xuxa, você tá legal?
- Para de paparicar ele, Fernando. Ele tem um pau, lembra?
- Seu filho da puta!
Xuxa volta para o carro. Márcio pigarreira.
- Xuxa, fica aqui. Xerxes, então, que fazemos?
- Você trouxe o que pedi?
- Claro.
Márcio abre o saco, dentro, envelhecidas, balas xaxá.
- Pai?
- Que é, Xuxa?
- É ela?
Xerxes olha com cuidado. O cartaz de xerox não ajuda, mas ele ainda assim a reconhece.
- Sim, Xuxa, é sua irmã gêmea.
O homem de gosto refinado, fita o cartaz, encantado, ignorando os seios e vagina estrelados, e se perdendo no rosto espelhado.
- Bela adormecida.
A voz de Márcio espanta Xuxa, que sente algo sendo empurrado para dentro de sua mão. É uma bala com embalagem amarela.
- Mantém na mão esquerda e não abra.
E os quatro entram no Xavante, sem perceber os raios e trovões que atingem a cidade com fúria, como que abortados do céu.
Eles sentam, numa mesa próxima da porta. O local é escuro, quente, úmido.
Uma mulher se aproxima da mesa. Não há beleza em sua face, mas um desejo selvagem percorre todos os homens.
- São as balas.
Diz Xerxes, numa voz trêmula.
A mulher se inclina sobre a mesa, mostrando a carne, observando os fregueses.
- Olá. Os senhores querem beber alguma coisa?
- Xerez.
Márcio se adianta, evitando a confusão causada pela resposta de Xerxes.
- Qualquer vinho forte que vocês tenha, uma garrafa de cerveja, qualquer uma e se tiver vodka, eu quero uma dose, qualquer uma também.
Ela vai embora, rebolando, mas volta logo com a bebida e se senta na mesa com eles.
- Ximena trabalha aqui, né?
Ela olha para Xuxa.
- Você é irmão dela?
- Porra, Xuxa, é uma puta, não precisa ir como se estivesse de xaveco. Olha, qual teu nome? Aliás, não importa. Ximena trabalha aqui?
A mulher olha irritada, mas vê a nota de 50 deslizando pela mesa.
- Sim, mas você só pode falar com ela depois do show.
- A gente espera, pode ir.
- Vocês não querem mesmo nada?
Todos queriam. Xerxes, ligeiramente mais controlado que os demais, fez que não com a cabeça. Desapontada, ela se levantou e foi para outra mesa.
- Ximena não vai mesmo enxergar a gente?
- Não, não vai, Xuxa. Desapontado?
- Um pouco, pai.
Fernando segura o punho de Xerxes a poucos centímetros do rosto de Xuxa. O velho dá uma rabissaca e livra o braço. Seu olhar diz tudo e só reforça o quão desesperado está para ter que estar ali com com filho. O episódio lembra a eles o que está em jogo, com o peso de seus destinos sendo colocado na balança, se calam, nenhuma das mulheres que se despe, bonitas ou feias, arranca de nenhum deles, nem o mais breve comentário.
Ximena surge, vindo por trás da xilogravura.
O corpo aparece e começa a fazer seu strip tease.
Os longos cabelos, ainda molhados e cheirando a xampu barato, se enlaçam em espiraladas cruzes.
Fixos olhares acompanham seus dedos, quando elas desce a calcinha, mostrado os pelos, que eles percebem, escondem a marca.
Xerxes derruba o forte vinho na mesa, puxa do bolso a bisnaga de xilocaína e por debaixo da mesa, a inscreve com um X.
Os clientes e empregados do local, caem, entre balbucios e gritos abafados, dormem.
E os quatro homens se levantam e vão em direção a prostituta que não os vê, apenas escuta seus passos.
Ela grita e esperneia quando as mãos a tocam, seguram firme e a amarram nas borda do estreito palco.
Um chute acerta o óculos de Fernando, que deixa cair sua bala.
- Cale a boca, Puta!
- Não fale assim com minha filha!
- Pai?
Xerxe abre a mão e deixa também cair o confeito, o que só o ajuda a terminar de prender uma das pernas dela.
- Filha, lembra de mim?
- Claro, pai! Mas o que o senhor tá fazendo?
- O que eu preciso fazer. Quem te mandou fazer a tatuagem?
- Você mesmo! O senhor está maluco?
- Agora tudo faz sentido, não é pai?
Xuxa deixa cair a bala.
- Xerazade?
- Ela sempre foi seu xodó.
- Vocês querem parar com essa merda? A marca tá aqui!
É márcio que agora livra sua mãe esquerda e já traz do bolso uma navalha.
- NÂO! Pai, você não pode fazer isso!
- Porquê, Ximena? Porquê mandei você fazer isso tudo? Eu lhe disse?
- Pai, não olha!
Mas é tarde. A Navalha recorta os pentelhos sobre o estranho e imperfeito X. E os quatro homens, olham excitados para o objetivo de suas vidas.
O Xá ordenou a morte do X.
O símbolo que marca o local, o ponto fulcral.
Dos magos, um se recusa e guarda a marca em sua própria pele, carregando-a foge.
Só para quando duas estrelas cadentes se entrecruzam no céu, sob um oásis.
Começa a viver lá, se casa com a filha de um pastor, escreve livro na areia.
Passa para seu filho a marca.
O mesmo vórtice de sentido e poder que Hitler não entendeu, foi passado de mão em mão, de carne em carne.
Um eixo onde a consciência do futuro e passado de quem o olha, se torna um só.
Os quatro xeiques se olham em roupas estranhas.
Ximena, que se aproveitou do momento de confusão, correu dos homens.
Inflamado por uma xenofobia repentina, um deles atira a navalha na mulher nua, antes de escorrer para baixo.
Escorrendo no tempo.
Os quatro, como peças em um jogo de xadrez, trocam de lugarem, avançam, recuam, tentam ganhar, perdem, as vezes, viram rainhas, em poucos momentos, tornam-se reis, que acuados, procuram o símbolo.
O X que os perturba no tempo, do espaço, da vida, que não para, mas vai e retorna.
Alexandria. No livro, Xerxes tem seu nome inscrito.
Os quatro estão juntos de novo, em volta do jogo importado.
- Xeque!
Xuxa diz, em um barbárico latim.
- Temos de continuar subindo.
- Eu estou feliz aqui, sou jovem, posso ir para onde eu queira, Fernando.
- Fácil para você então, Xerxes, mas você nos deve. Lembra o que prometeu? Lembra da carta que jogou fora?
Agora ele lembra. Lembra de tudo. Lembra que tinha o futuro em mãos e o descartou, e quando o percebeu, velho, já tinha deixado o vigor lhe levar tudo, mas a fixação o marcara, a bruxaria tornara o mundo a sua volta obcecado, pertencente ao X, que o tornou louco, que o fez sacrificar tanto por tão pouco.
- Eu não sou xexeiro.
- Então, velho, vamos. Olhe a marca.
Xerxes escreve a carta. Nela, os números de jogos de azar, informações sobre o futuro. A vida que ele, um menino então de apenas 10 anos, terá, será bem diferente. Talvez não case com Xênia, com quem terá duas filhas de olhos turquesa. Nem fará uma delas mudar tanto, sacrificando ela em nome do oculto. Nem abandonará todos quando perceber que tudo foi em vão. Talvez não conheça os homens que são sua presente companhia, guiados por corações sem escrúpulos, de certa forma, tão obcecados por ele.
Xerxes pode mudar o futuro. Pode mudar o mundo.
Não se surpreende com a escolha do Xá. Teria ele esse dilema? Matar-se para poder ter a vida de seus sonhos?
Tudo que o define é apenas um X em um mapa para uma criança achar um tesouro.
No local certo, ela poderá se tornar um monarca.
No local errado, está enterrado a vida que tem hoje, que só agora lhe percebe a importância.
Quem sabe, escreverá outra carta, dessa vez, para Ximena, onde lhe contará tudo e como garantir que sobreviva a ele, fazendo esquecer de sua família antes de maiores sacrifícios que, ele sabe, havia planejado.
Tudo se encaixa.
Os outros o olham apreensivos.
E tudo que ele precisa fazer é marcar um X.
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