September 12, 2013

O Apartamento


O grito rouco ia e vinha com o vento.
O varal, cheio a cada manhã, pingava sem vontade.
Havia um sorriso e uma risada, mas não alcançava mais a varanda.
O apartamento, prosseguia assim, descolando-se em disparadas rachaduras que lhe comiam a solidez.
Ela se movia com o calendário, argumentava o tempo desnecessário, despertava e dormia e fazia e sentia e ia e voltava, mas não havia mais praquês, era apenas um mecanismo que dava corda em si mesmo.
Observando, passivo, ele fiz o desfiar dos tecidos. A camisa que se rasgava, as meias que se desfaziam, a calaça que se abria, os sapatos rasgando-se em suicidas bocarras. Ele olha a madeira que apodrecia, nas portas arrombadas pelo silêncio, colmeias que insetos que não se percebiam em carcaça.
A goteira completou um ano. Os pratos se formavam em colunas. Tudo se entupia de vazio. Na geladeira, o gelo olhava de soslaio, desconfiado da solidão. O fungo se espalhava, comendo devagar o mundo abandonado.
Eles notaram juntos. Foi um dia assim, ____________.
Correram de mãos dadas. As cadeiras da sala escorregavam em desuso, lhes bloqueando a passagem. A porta se abria para a parede deslocada. Não podia sair, se diziam em olhar, um olho verde, um negro, um azul e um castanho se achando perdidos. E com os pés do lado de fora, entraram, voltaram, rebobinaram para o pó.
Ela seguia o calendário, sem mover-se mais. Deitava, em pé, sentada, correndo, se imaginava nos cantos que deveria estar, pois em nenhum deles esteve.
Ele lia os quadrinhos. As revistas. Os livros. As bulas. As etiquetas. Começou a ler o tecer das teias. Rotas das formigas. O ruído distante de portas batendo. Os pneus dos carros pelos cheiros derrapados. A ferrugem dos canos. O olhar que lhe vinha das rachaduras.
A goteira morreu um dia. O funeral foi insólito, inefável.
O apartamento foi invadido.
Não acharam ninguém.
Enquanto isso, a tinta descascava-se com amor pelo homem. A mulher do calendário não setia ciúmes. Tinha muito a não fazer.
O homem lia mais fundo. Na segunda camada de pele se assombrou com a trama. Na terceira, foi devorado pelo suspense. Nas veias, se esvaiu de risada até o coração na mais bater. Thum. Thum. Thum. Thum. Th
A escada tentou salvá-los com um remelexo. Mas estavam já longe.
Se mudaram. Um homem, duas crianças, uma mulher,um cão.
A mulher deitou sonhando, se deixando levar pelo frio.
Descascava. Os cabelos perdiam a cor, seus olhos, o amor. Nada havia, só agonia.
Largou o emprego que não tinha. Definha, definha.
A família não escutava. o cão ladrava, mas era hábito. Das 7:00 às dez 8:00 ladrava enquanto se vestia. Das 8:00 às 9:00 ladrava ao dirigir para o trabalho. Das 9:00 as 12:00 ladrava no trabalho.
O cão ficou neurótico.
Da mulher só existia cinzas. Que se espalharam.
Espatifado, o apartamento abandonado levou consigo os fantasmas que o habitaram.
No fim, eram menos que cães ensandecidos.
Q s u m i a m.

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